O presidente Lula gosta de falar de forma espontânea, na base do impulso, confiante na sua inteligência privilegiada de político pragmático que raia ao entusiasmo exacerbado.
Ele acaba de dizer, relativamente, à guerra na Ucrânia, movida pela Rússia de forma preventiva, para evitar o que considerou iminência de ataque ucraniano, armado pelos EUA-OTAN, objetivando, em 2022, mudança de regime em Moscou, que seria melhor haver referendo nos territórios ocupados pelo exército russo onde a maioria da população é russa.
A proposta lulista deverá ser debatida na reunião do G20, como adiantou o presidente.
O que Putin deve estar achando dessa opinião do titular do Planalto: contribuição efetiva para a paz ou uma espécie de ingerência, como a que Lula proporcionou ao defender novas eleições na Venezuela, depois que a oposição, derrotada, defendeu nova consulta popular?
Chamada a optar entre Ucrânia e Rússia, a população russa nos territórios ucranianos, hoje, ocupados pelas forças russas, fez a opção lógica: preferiu continuar como russa e não ucraniana.
A mídia ocidental desconsiderou essa decisão, dizendo o de sempre, que houve grande manipulação.
Como o ocidente repete os argumentos do império midiático americano, ficou como certo que os russos foram manipulados, em vez de uma investigação mais honesta concluir que a preferência estava calcada em fatores históricos amplamente comprovados.
Diante da agressão nazifascista da Ucrânia ocupada pelos EUA-OTAN, desde 2014, interessados em incorporar os ucranianos na esfera da União Europeia, algo que os russos dizem jamais aceitarão, por questões geopolíticas, Moscou, diante dos apelos dos russos resistentes nos territórios que ocupam há anos em solo ucraniano, onde foram sistematicamente atacados por exército da Ucrânia armado pela OTAN-EUA, fez o que prometeu: ocupou-os e lá resistem.
O ocidente considera essa ocupação ilegal e insiste com a sua comunicação midiática que Putin exerce poder ditatorial, imperialista, enquanto o presidente russo rechaça tal entendimento, respondendo que defende interesses geopolíticos e geoestratégicos, como resistência à histórica pretensão anglo-saxônica de dobrar a Rússia aos interesses ocidentais etc.
O fato é que o jogo está favorável a Moscou, porque as forças russas, bem mais armadas por poder bélico, espacial e nuclear, mostra-se mais forte.
Nesse contexto de tensões exacerbadas seria prudente o presidente Lula declarar que Putin deve promover o referendo nos territórios ocupados como solução para a crise militar explosiva que se desenrola na região?
Lula fez essa declaração depois que Putin se colocou a favor da Venezuela no Brics, durante reunião do bloco, em Kazan, Rússia, ocasião em que o presidente brasileiro se pôs contra a entrada do país sul-americano no mesmo, mediante argumentos insatisfatórios para Moscou.
Como, pelas regras do Brics, a entrada de novos sócios somente ocorre por consenso, a posição isolada brasileira em vetar a participação do país de Maduro criou tensões que agora se refletem no aprofundamento dos choques entre Brasília e Caracas.
Tanto Putin como, principalmente, Maduro consideram incompreensíveis a posição brasileira de resistir à entrada do país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo no Brics, o que somente contribui para o fortalecimento do bloco.
Somados Brasil e Venezuela, dois dos maiores produtores de óleo, no cenário global, o Brics, como potência econômica, só teria a ganhar.
Mas, essa oportunidade geopolítica e geoestratégica está sendo perdida, porque os Estados Unidos estão colhendo o triunfo da pressão em favor de fragilizar o Brics, mantendo divididos Venezuela e Brasil, em decorrência dos fatores políticos advindos da vitória de Nicolás Maduro contestada por Washington mediante argumentos aos quais Brasília aderiu.
Não está formalmente explicada, pela parte brasileira, porque o veto à Venezuela, se, durante a reunião de Kazan, vários novos integrantes foram unanimemente aceitos para multiplicar a conformação do bloco que já é visto como nova potência econômica mundial.
Afinal, o Brics dispõe de população e PIB superiores, por exemplo, ao G7.
Como faltou, até agora, a explicação do governo brasileiro das verdadeiras razões que o levou a barrar a Venezuela nos Brics, predominam versões segundo as quais Brasília agiu por pressão de Washington.
A radicalização de Maduro contra Lula, portanto, está inscrita no jogo da geopolítica que envolve a resistência do governo americano para evitar união Caracas-Brasília como fator de fortalecimento do Brics, pró-multilateralismo, contra Washington, pró-unilateralismo imperialista anglo-saxão, contrário à arremetida de Moscou e Pequim, líderes do Brics, para forçar a desdolarização.
Fragilizar o dólar em favor do fortalecimento das moedas nacionais na construção de novo sistema monetário e nova divisão internacional do trabalho é a nova frente de luta do multilateralismo contra o unilateralismo, cujo futuro é incógnita total em termos de nova hegemonia comercial e militar global.