Jogo sem fake news
Lula desmilitariza o governo para dar fôlego à democracia
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emApesar do susto, da depredação, do prejuízo público e dos resultados negativos para a história do país, a baderna de 8 de janeiro teve seu lado bom. Na verdade, vários lados bons. O primeiro deles foi a coragem de Luiz Inácio ao ignorar supostas sugestões para optar pela tal GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Tivesse aceito, as consequências seriam desastrosas, perigosas e irreversíveis. De certo que, de um lado ou de outro, Jair Messias acabaria – como acabou – merecidamente expurgado do cenário político após o desfecho do vandalismo produzido pela seita que ele mesmo criou, estimulou e financiou, por meio de seguidores abonados. Não teríamos o tenente que se achava capitão, mas certamente estaríamos hoje sob o jugo dos estrelados generais.
O resumo da ópera é que, mesmo criticado por aqueles que ainda não se acham governados, Lula da Silva pode ser acusado de tudo, inclusive de conduta duvidosa no passado. No entanto, inteligência ele tem para dar, vender e, se for o caso, emprestar à turma estribada, mas sem tutano. Induzido ao chamamento dos militares para o ringue, o presidente eleito com mais de 60 milhões de votos não teve opção ao demitir o general Júlio César Arruda do Comando do Exército por insubordinação. Depois da confusão da Esplanada, Arruda enfrentou ordens do Palácio do Planalto, impedindo a entrada da Polícia Militar do DF para prender extremistas em frente ao QG do Exército.
E, convenhamos, os terroristas “protegidos” não eram bagrinhos. São velhos conhecidos das baderna. Um deles é o sujeitinho sem referências que xingou e cuspiu em enfermeiros durante uma manifestação em defesa dos doentes de Covid. É o mesmo criminoso que jogou rojões no prédio do Supremo Tribunal Federal. O governo anterior, o general exonerado, o Brasil e o mundo inteiro sabem que os “camaradas” não trabalham. Também não se escondem. Não sei do que vivem, mas tenho certeza de que acreditam na compensação futura do crime. Será? Tomara que não. É esse o nível dos denominados bolsominions. Estão sempre dispostos a tudo, inclusive a praticar crimes em série. A dificuldade deles é entender o mundo em que vivem. E acho que nunca entenderão.
Mesmo sem tempo para dizer ao que realmente veio, o substituto do general Arruda, o também general Tomás Paiva, pelo menos já mostrou ao país que lutará pela manutenção da democracia, bem maior da sociedade brasileira. Dentro da catástrofe que foi o governo militar do tenente Jair Bolsonaro, admitamos que é um sinal pra lá de auspicioso. Ao poucos, Luiz Inácio vai desmilitarizando o governo. Não se trata de uma faxina ideológica, mas, absurdamente, até bem pouco tempo eram 211 militares alocados em cargos de confiança vinculados à Presidência da República. Segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU) cerca de 6.150 oficiais ocupavam cargos comissionados em funções civis. Somente nessa terça-feira (24) foram dispensados mais 43 militares de postos de chefia na Funai.
Não me consta que um dos objetivos das Forças Armadas seja cuidar de índios. Nada contra os militares no governo. Eles são fundamentais, desde que em posições afins. Absurdo é acharem que, como em 1964, nós (os civis), servimos apenas para bucha de canhão. Não é nada, mais são dois contracheques para quem já ganha bem e tem vantagens que eu e você não temos. O eleitor brasileiro, seja ele lulista ou ex-bolsonarista consciente, está fechado com Lula. O que não pode ocorrer é dar munição à patriotada de araque. O povo quer jogar o jogo sem fake news. Por exemplo, vamos ter ou não moeda única no Mercosul?
De forma ríspida, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, respondeu há dois dias a um jornalista brasileiro que não estava na pauta do governo brasileiro propostas sobre a criação de uma moeda única entre Brasil, Argentina e, talvez, os demais países da América do Sul. O próprio presidente, ao lado do colega argentino, Alberto Fernández, não só acenou e apoiou essa possibilidade, como assinou um memorando tratando da integração econômica e financeira entre os dois países. Ou seja, não adianta votar, brigar, se expor e voltar ao status anterior. Quem anda para trás é caranguejo.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978