Não escrevo este artigo com alegria, mas sim com dor, mas quando as formas não são mantidas, as coisas devem ser ditas pelo seu nome. Os presidentes Lula e Petro decidiram fazer parte do grupo de corifeus que, liderados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, atacam a Venezuela em nome de certos valores liberais que os obrigam a prestar contas à hegemonia imperial.
Lula foi, sem dúvida, um grande lutador social que enfrentou a ditadura que assolou o seu país durante mais de 20 anos, mas não é um revolucionário nem enfrentou o sistema de dominação do seu país; Pelo contrário, faz parte. Seu objetivo é produzir reformas que melhorem as condições de vida dos brasileiros sem tocar nos interesses das grandes empresas estrangeiras que permanecem no país. Como se dizia no final do século passado, ele é um social-democrata tradicional ao estilo de Willy Brandt ou Françoise Mitterand, que adora e admira.
Nessa medida, não abandonou a ideia de fortalecer o subimperialismo brasileiro que herdou dos seus antecessores, tentando construir uma integração subordinada. Por isso o seu esforço para aliar o Mercosul e até a América Latina à Europa. Seu operador político nessas questões foi, e é, Celso Amorim, diplomata de carreira, produto típico do Itamaraty, que se tornou militante do PT por circunstâncias e interesses mútuos. Foi Amorim quem “bombardeou” Lula – depois de receber instruções do Eliseu – sobre as “deficiências democráticas” da Venezuela baseadas na impossibilidade legal e constitucional de Dona Machado ser candidata nas eleições.
É preciso dizer que é natural que Lula e Amorim atuem assim, responde ao DNA da elite brasileira que nunca lutou contra ninguém. Conseguiram tudo negociando e cedendo no quadro de uma institucionalidade sistémica contra a qual nunca se rebelaram. É claro que na história do Brasil existiram grandes líderes revolucionários como Tiradentes, Carlos Marighella e Luis Carlos Prestes entre outros. Lula não é um deles.
A ambiguidade do seu discurso (e do de Dilma Rousseff, ainda mais acentuado), isolou-o do povo. Ambos abandonaram as pessoas humildes que os levaram ao poder. Neste momento lembro quando em 2006 as organizações populares e sociais do Brasil pediram ao Comandante Chávez que intercedesse junto a Lula para que ele as ouvisse. Com sua aprovação, Chávez arriscou seu capital político e, aproveitando uma viagem a Curitiba, reuniu-se num teatro repleto de lideranças e lideranças sociais que vieram de todo o país para apresentar face a face tal demanda. Mesmo colocando em risco sua integridade física porque um pequeno grupo de exaltados queria abordá-lo violentamente, ele os ouviu com paciência, tomou nota e disse que entendia seus motivos, que ia fazer o que lhe pediam, mas que em ele, no momento atual do Brasil, achava que Lula deveria ser apoiado. Não creio que em toda a sua vida Chávez tenha recebido um grito tão alto como aquele que ouviu pacientemente naquele dia, até que, depois de as coisas se acalmarem, ele falou longamente aos presentes sobre a causa superior da América Latina e do Caribe, encerrando o evento com aplausos e vivas contínuos e efusivos.
Anos depois, quando deram o golpe de Estado, Dilma convocou o povo a sair às ruas. Ninguém fez isso. Foi normal, ele não atendeu o telefone dos líderes sociais, não os recebeu, nem os atendeu. Sua aliança era com empresários, um deles, que era seu vice-presidente, foi o líder do golpe que a derrubou. O abandono da cidade paga caro. Deram-nos lições, lembro-me da petulância e da arrogância de alguns dirigentes petistas que nos diziam o que devíamos fazer, mas aqui Chávez resistiu ao golpe de Estado, porque o povo mobilizado o devolveu ao poder.
Nem se mobilizaram a favor de Lula quando ele esteve preso. Os grandes acontecimentos que clamavam pela sua liberdade reuniram 40 mil pessoas num país de 215 milhões de habitantes. E é normal que tenha sido assim. No momento em que era levado para a prisão, Lula, na versão mais completa de um homem das instituições, disse: “Confio no sistema jurídico do Brasil”. Não apelou ao povo, não, confiou nas instituições.
Talvez estas sejam características positivas: conciliação, carácter pusilânime e fraqueza de espírito; finalmente, a monarquia deu-lhes a independência e a República e é possível que esta história tenha moldado o seu espírito conciliador. Mas ninguém deu nada à Venezuela, tivemos que lutar por eles e a um custo muito alto. Portanto, nós fazemos a nossa parte e eles fazem a parte deles, mas não é o Lula quem pode nos dar lições de democracia.
Tampouco Lula pode dar lições sobre o sentimento e o espírito latino-americano. Eu disse antes que ele pensa na necessidade de integração dos subordinados. Estas não são palavras vazias: quem impediu o estabelecimento de uma arquitetura financeira na América do Sul? Quem colocou todos os tipos de obstáculos ao SUCRE até impedi-lo de funcionar? Quem prestou pouca atenção à criação da CELAC até compreender que precisava dela como plataforma para se lançar na conquista de uma posição permanente no Conselho de Segurança da ONU? Quem apoiou a UNASUL somente quando o Itamaraty tinha certeza de que poderia controlá-la? Quem fugiu de Mar del Plata quando Chávez, Kirchner, Tabaré Vázquez e até o conservador Nicanor Duarte se levantaram à frente do império? Quem atrasou ao máximo a construção da refinaria Abreu e Lima que Chávez promoveu para o bem-estar do nordeste esquecido e marginalizado do Brasil? Quem, antes do golpe de Estado contra o Presidente Castillo no Peru, disse que tinha sido uma transição em termos institucionais?
Respeito o que Lula pode ter feito pelo seu povo. Não sei se isso é tudo o que ele poderia fazer, mas não pode, nem deve, dar aulas de democracia a ninguém, pelo menos na Venezuela não permitimos. Se dona Machado lhe concedeu esse direito, você deve se entender com ela e assumir a responsabilidade de se aliar aos que defendem o terrorismo e favorecem a intervenção militar estrangeira no país. Por que é que se Bolsonaro faz, está errado, mas se Machado faz, está correto? Por que um agiu fora da lei e outro a favor da democracia? Por que Bolsonaro é golpista e Machado não? Esclareça, senhor presidente Lula, porque caso contrário o presidente Maduro poderia ter o direito de solicitar o fim da perseguição contra o ex-presidente Bolsonaro. O que você acha? É claro que o presidente Maduro nunca fará isso, primeiro porque não interfere nos assuntos internos do Brasil e, segundo, porque nunca apoiará um terrorista violento e um conspirador golpista como você está fazendo na Venezuela.
Caro camarada Lula, gostaria de lembrar que o primeiro presidente a expressar solidariedade a você após sua prisão injusta foi Nicolás Maduro e o primeiro presidente a expressar sua rejeição e repúdio ao golpe de Estado contra Dilma Rousseff foi Nicolás Maduro. Não houve cálculo político na decisão dessas ações. Hoje recolhemos o espírito e a solidariedade do povo brasileiro que rejeita as suas manifestações de apoio ao terrorismo na Venezuela. Também é bom lembrar que no dia 25 de julho de 2019, a Sra. Machado tuitou contra você e o perigo que representava para o Foro de São Paulo exigir sua liberdade.
Como dizem os jovens agora, “você está em outro” Presidente Lula. Enquanto o povo africano se rebela e rompe com a França, você declara o seu amor por Macron no mesmo lugar onde as empresas francesas devastam a Amazónia sem incidentes. Mais coerência presidente, porque isso é sério.
Outro caso, muito mais doloroso, é o da Colômbia e do seu presidente. Ele também se juntou àqueles que se acreditam donos da verdade e podem ensinar lições de democracia ao mundo. Legamos ao nosso Libertador Simón Bolívar o amor pela Colômbia. Quando fizeram leis em Bogotá para lutar contra o colonialismo, Bolívar construiu um exército para libertar Nova Granada. O sangue de milhares de venezuelanos foi derramado para alcançar a independência da Colômbia. Quando a expedição estava sendo preparada, Antonio Nariño, o mais renomado tribuno do país e um dos precursores da independência hispano-americana, foi preso na Espanha. O Libertador teve que recorrer ao oficial de mais alta patente de Nova Granada para enviá-lo a Casanare para organizar um exército que recebesse o exército venezuelano e o apoiasse na campanha que estava sendo preparada.
Teve que recorrer a um coronel obscuro e sem muita experiência, que, para lhe dar maior poder de decisão, promoveu a general: Francisco de Paula Santander, que ao longo dos anos se tornaria o campeão da independência da Colômbia, mas não antes de trair Bolívar ordenar o assassinato de Sucre e até tentar o mesmo expediente com o Libertador. Há 200 anos sabemos das traições cometidas em Bogotá. Eles não nos surpreendem.
Foram 200 anos de conluio liberal-conservador que mergulhou o país na guerra, na destruição e na morte, até que Gustavo Petro se tornou presidente. Finalmente, um líder diferente… e cara, ele é. O seu esforço pela pacificação definitiva do país merece os maiores elogios. Desde antes, o comandante Chávez e agora o presidente Nicolás Maduro deram todo o seu apoio a tal empreendimento, mesmo quando havia sátrapas governando-o no país irmão. Sei disso porque fui testemunha direta do esforço, às vezes até incompreensível, do Comandante Chávez para apoiar a luta pela paz na Colômbia.
O problema de Petro não é esse, é o seu ego, o seu desejo de acreditar que tem a verdade absoluta e que pode dar lições a todos. E agora que tem um homem de direita, funcionário da embaixada dos Estados Unidos, como ministro dos Negócios Estrangeiros, parece que foi obrigado a seguir a orientação traçada em Washington. Isto não teria acontecido se o Ministro dos Negócios Estrangeiros Álvaro Leyva estivesse no cargo, porque sendo um homem de direita, deu provas substanciais em defesa dos mais elevados interesses da humanidade.
O auge do ego de Petro ocorreu recentemente quando se permitiu criticar e refutar a decisão russa e chinesa de vetar uma proposta de cessar-fogo temporário na Palestina, preparada pelos Estados Unidos para favorecer Israel. As organizações palestinas agradeceram unanimemente à Rússia e à China pela decisão, mas a Petro, sendo “mais palestina que os palestinos”, criticou-a. Esta decisão permitiu a decisão seguinte, aprovada três dias depois, em que os Estados Unidos foram obrigados a abster-se de exercer o seu direito de veto. Então Petro, tentando fugir, disse que se a resolução não fosse cumprida, as relações com Israel teriam que ser rompidas. Presidente Petro faça isso. Faça isso! Mas primeiro ele deve travar uma luta interna contra o seu ego, que o oprime e não lhe permite pensar com a lucidez, o conhecimento e a coerência que o agraciaram em outros assuntos. “A melhor maneira de dizer é fazer”, ensinou José Martí, “Melhor do que dizer é fazer, melhor do que prometer é fazer”, disse Juan Domingo Perón.
A Venezuela não teve de esperar que 32 mil palestinos assassinados, incluindo 12 mil crianças, para romper relações com a entidade genocida. A decisão foi tomada pelo Presidente Chávez em 2009, quando a barbárie sionista não estava nem perto dos níveis de repugnância que hoje se tornaram públicos. Não tente dar lições aos outros sobre algo que você não faz.
E em relação à Venezuela, não faça o que não gostaria que lhe fizessem. Porque se assim fosse, o Presidente Maduro poderia exigir que fosse aceite que o Comandante Antonio García ou o Comandante Iván Márquez fossem candidatos à presidência. Quando, em 2002, a Colômbia decidiu eleger um conhecido traficante de drogas e notório paramilitar como presidente do país, a Venezuela não disse nada. Pelo contrário, lembro-me do Comandante Chávez numa conversa sobre o assunto no pavilhão do aeroporto de Maracaibo, em 8 de maio de 2006, quando se dirigia a Guajira para construir o primeiro trecho do gasoduto binacional: “O povo colombiano o escolheu e nós “Devemos respeitar a decisão do povo colombiano e trabalhar com Uribe em benefício dos nossos dois povos irmãos”. E assim foi. Nem mesmo nas condições em que Uribe dava uma mão e ao mesmo tempo com a outra, como um Santander moderno, empunhava a arma fratricida, Chávez modificou a sua pregação.
Recentemente, o governo venezuelano fez tudo o que estava ao seu alcance para promover um bom relacionamento. Você sabe disso porque tem sido um fervoroso promotor da mesma coisa. Não merecemos que nos julguem, defendendo uma terrorista que, ao violar as leis da República, excluiu-se de ser candidata.
Aliás, quando venceu as eleições presidenciais de 2022, essa mesma senhora Machado, apenas um dia depois da sua eleição, ou seja, a 20 de junho, escreveu um tweet: “O projeto Petro é muito perigoso, mas é derrotável. Deixemos que nós, colombianos e venezuelanos, lutemos juntos pela nossa liberdade”. Paradoxalmente, senhor presidente Petro, o senhor aceitou o apelo da terrorista e agora, junto com ela, quer lutar na Venezuela pela democracia controlada remotamente a partir de Washington.
Essa coisa de ficar um tempo com a Venezuela e outro contra a Venezuela baseado num cálculo político interessado e mesquinho não é nosso. Bolívar ensinou-nos que se é solidário ou não se é solidário e tirou o exército venezuelano do território nacional quando a nossa independência foi consumada em Carabobo porque acreditava que a liberdade não era total enquanto permanecesse um povo americano subjugado. No final da guerra, os nossos soldados regressaram ao país, não colonizaram, não ocuparam, não impuseram nada.
Chávez, por sua vez, também não fez cálculos políticos quando decidiu utilizar os enormes recursos energéticos do país para caminhar rumo à integração, melhorando as condições de vida do povo, e fê-lo sem perguntar qual era a filiação política do presidente. Ele também não tinha opinião sobre quem deveria e quem não deveria ser o líder máximo de um país. Não fizemos cálculos políticos quando ajudamos a Argentina num momento difícil para aquele país.
O governo venezuelano não fez cálculos políticos quando o presidente Maduro ordenou o envio de oxigênio aos hospitais de Manaus no pior momento da pandemia, embora tenha sido o momento em que a agressão de Bolsonaro contra a Venezuela se intensificou. Mostrámos solidariedade e demos solidariedade. Não fizemos cálculos
Chávez, por sua vez, também não fez cálculos políticos quando decidiu utilizar os enormes recursos energéticos do país para caminhar rumo à integração, melhorando as condições de vida do povo, e fê-lo sem perguntar qual era a filiação política do presidente. Ele também não tinha opinião sobre quem deveria e quem não deveria ser o líder máximo de um país. Não fizemos cálculos políticos quando ajudamos a Argentina num momento difícil para aquele país.
Não fizemos cálculos políticos quando criámos a Petrocaribe, nem quando multiplicámos as nossas embaixadas em África, nem quando expressámos solidariedade com a Palestina ou com a República Árabe Saharaui Democrática. Não perguntamos aos Estados Unidos e à Europa se concordam com as nossas decisões antes de as implementar.
Numa época em que a agressão imperialista e neoliberal se intensifica, aqueles de nós que pensam da mesma forma, não necessariamente da mesma forma, devem compreender-se e aceitar-se mutuamente. Basta um telefonema e uma consulta. Não importa se ouvirem isso na Embaixada dos Estados Unidos. Dessa forma, eles saberão que somos irmãos nos bons e maus momentos. Desta forma, evitam-se também opiniões erróneas emanadas dos meios de comunicação transnacionais desinformadores e dos agentes imperiais infiltrados nos nossos governos.
Tudo isto é muito triste, senhores presidentes, mas enquanto vocês se aliam ao terrorismo da direita venezuelana, o nosso país, o nosso sistema eleitoral e o nosso processo recebem o apoio da Rússia, da China, da maioria da humanidade e, aliás, de muito importante dizer, dos povos irmãos do Brasil e da Colômbia. Há um velho ditado que diz: “Diga-me com quem você está e eu lhe direi quem você é”. Muito cuidado, queridos presidentes Lula e Petro.