Lembro-me bem de uma das primeiras narrativas publicadas neste espaço, quando escrevi que a vitória da verdade sempre é certa. Agora, com o triunfo da esperança e o fortalecimento da democracia, posso afirmar que o desejo venceu o medo, atropelou inconvenientes e aplanou dificuldades. Diria também que sábio é aquele que encara o fracasso com a mesma serenidade que encara a vitória. E porque digo isso? Quando o Brasil, vencido e vencedor, precisa mais de diálogo, eis que o presidente da República coloca seus interesses pessoais acima das necessidades do país e decide não se manifestar sobre a apertada, mas incontestável, vitória do adversário. E não é um adversário qualquer.
Trata-se de um cidadão que, apesar de todos os pesares, chega à Presidência da República pela terceira vez. Perdoem-me por repetir um mantra de pensadores famosos, mas quem não sabe perder, jamais aprenderá a ganhar. É o caso de Jair Messias Bolsonaro, cuja conduta não é de estadista, mas de déspota expurgado à força do castelo de areia que construiu para se enclausurar ad aeternum. Felizmente, quando realmente acreditamos que Deus está acima de tudo e de todos, nada é eterno. E Bolsonaro não foi, não é e nunca será. Como já era esperado, sob o argumento de que Lula não é merecedor, os bolsonaristas não admitem ficar longe do poder. Falta-lhes a necessária humildade dos políticos dispostos a colocar o país acima de picuinhas eleitorais. Esquecem que Lula encarna hoje aquela máxima da volta dos que não foram.
Independentemente das manifestações do presidente denominado mito, a vitória de Lula da Silva não apenas consolidou a democracia, mas interrompeu um ciclo autoritário que, não fosse prematuramente derrotado, se tornaria perigosamente perene no país. São duas as provas do banditismo ideológico que experimentamos nesses últimos três anos e 10 meses, particularmente nesses meses que antecederam o dia D da eleição. A primeira diz respeito às tentativas criminosas da Polícia Rodoviária Federal de evitar que o povo, notadamente os nordestinos, votasse no domingo (30). Para o bem da nação, foi uma ação terrorista fracassada.
Mais bestial e claramente golpista, a segunda ocorreu imediatamente depois, quando um bando de imbecis travestidos de caminhoneiros fechou rodovias cobrando intervenção armada contra a vitória de Lula. Interessante é que a rapidez da PRF para evitar bloqueios golpistas de rodovias não foi a mesma das blitzen para evitar votos supostamente contrários a Bolsonaro. Além da esperança e da preservação das liberdades, o fato é que o expurgo do mito também ajudou a expurgar do cotidiano nacional termos chulos e preconceituosos que os bolsonaristas, além do próprio mito, usavam quando queriam se dirigir aos opostos. São palavras e expressões utilizadas à exaustão por Jair Messias e por seus seguidores para atacar ou atingir a honra de alguém.
Pela falta de espaço, fica difícil dar o significado a todos, até porque a maioria é de domínio público. Um em especial vale a pena ser “traduzido”. Refiro-me à aporofobia, cuja definição é repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos. Em síntese, é a hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria, justamente o público que Bolsonaro defenestrou no seu dia a dia. As demais – misoginia, homofobia, violência, autocracia, racismo, xenofobia, grilagem, desmatamento, cultura armamentista, milícia, intolerância religiosa, fanatismo, insensibilidade, desumanidade, mineração ilegal, militarismo, desmonte institucional, ressentimento, ódio, incluto, grosseria, inquidade – jamais significaram liberdade de expressão ou licença poética.
Foram, isso sim, a mais pura e verdadeira forma de má educação. A tendência é que elas deverão ficar limitadas ao que sobrar do bolsonarismo. Na visão mais pueril da política brasileira, Lula é hoje o que o técnico Mário Jorge Lobo Zagallo foi na Copa América de 1997. Contestado por muitos, adorado por outros tantos, Zagallo acabou campeão do continente com uma seleção que não encantou, mas ganhou. Exatamente como Luiz Inácio, o primeiro ex-presidente a ser novamente presidente. Talvez o único representante da esquerda em condição de derrotar a extrema-direita, Lula da Silva venceu por pontos, isto é, por pouco mais de 2 milhões de votos. Não importa. Venceu e, a exemplo de Zagallo, mesmo sem os parabéns de Bolsonaro, deve ter imaginado ou dito à própria consciência: “Vocês vão ter de me engolir”.