Aborto ideológico
Lula quer fazer do bolsonarismo uma marolinha
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emTemos uma nova conjuntura política sendo construída no Brasil. Ainda não se pode falar em grandes mudanças no jogo, mas dois acontecimentos recentes têm potencial para modificar a dinâmica de forças do Planalto e, principalmente, do Congresso já em 2020: um está associado à soltura do ex-presidente Lula, e o outro é a decisão de Jair Bolsonaro em deixar o PSL, partido pelo qual foi eleito, para fundar uma sigla que o acomode juntamente com suas ideias e vontades de poder.
Para isso JB e Lula precisam correr. Melhor seria se fossem para bem longe do Brasil. Porém, sabemos que isso é quase impossível. Lula já iniciou sua caminhada Brasil afora e Bolsonaro quer uma nova casa partidária. A militância do Lulapetismo sabemos que é aguerrida, mas, como mandar para as ruas a militância digital que ajudou a eleger o capitão JB? Justamente Bolsonaro, que procura uma saída de emergência para vencer a corrida contra o tempo na busca de legitimar um partido para sedimentar o seu modo de governar.
A genealogia ideológica e política do pensamento bolsonarista de poder se estabelece como ponto de reflexão da máxima de que deveríamos estar vivendo esse inferno sem o diabo. Aliás, o correto seria não esperar de Bolsonaro nenhum governo, pois seu modo de governar é o puro desgoverno: acredita em si mesmo como sendo um “herói do povo”, que poderá governar sem o Congresso, só chamando as pessoas para formar uma “Aliança pelo Brasil”.
A confusão ideológica que ele provoca é proposital e ultrapassa o destino que o fez presidente, se apresentando como avesso à cultura, à ciência, ao conhecimento. Faz, assim, um governo que passa longe dos padrões tradicionais.
Mas, 2020 está aí, batendo à porta de Bolsonaro e dos políticos. E eles, também, batem na porta do eleitor. Os bolsonaristas que cuidam da criação de um novo partido correm o risco de não disputarem o pleito do próximo ano. E a presença de Lula nas ruas, em forte campanha diária, pode transformar a onda bolsonarista de 2018 em marolinha no ano que vem, numa espécie de tempestade política para 2022.
Perder prefeituras para uma eventual ascensão municipalista do PT, com Lula como megafone nacional, é alto risco para o projeto de reeleição de Bolsonaro. É bom lembrar, como notório, o demorado processo de oficialização de uma nova legenda, que pode levar de dois a três anos, ou mais, para se consolidar.
Deve-se considerar, assim, o eventual resgate do registro de um antigo partido, com processo há meses nas mesas do Tribunal Superior Eleitoral, como a saída de emergência para Bolsonaro e sua “Aliança pelo Brasil”.
Nas ruas, o que se ouve, é que o Brasil não carece de punição do inferno; é como se nele estivéssemos. Assim, ao contrário, a crítica pode ser mais bem encaminhada desta forma, reconhecendo que as ideias de governo bolsonarista em questão estão dotadas de uma lógica e por nada estão excluídas de uma possível rearticulação e novo respaldo na sociedade (isso sem levar em conta a herança autoritária do regime militar), onde esses fundamentos se relacionariam, dando a forma de uma visão de mundo, e de um projeto nacional para prática efetiva do modo de governar de JB.
De todo, o que vemos atraído pelo público bolsonarista – sempre ávido de ver governantes punitivos – além disso, é a construção de uma concepção autoritária do poder, com traços que tendem a se perpetuar para além de qualquer respeito ao estado democrático de direito. Por ora, com a ressurreição de Lula e a persistência de Bolsonaro em criar suas capitanias hereditárias, fica o dilema. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
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