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Lula se cobre com peneira e lava as mãos como Pôncio Pilatos

Brasília, (DF) - 27/09/2023 - Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com o Governador Eduardo Leite e a bancada gaucha. Foto Valter Campanato/Agência Brasil.

A reação oficial brasileira à explosão de violência entre o Hamas e Israel, que começou no sábado, não apenas ignora as realidades locais e o ambiente geopolítico daquela região, como também distancia o país do Sul Global. O Brasil mais uma vez confirma sua incapacidade de articular a sua agenda supostamente sensível à justiça histórica e social para além do nível retórico. Os belíssimos discursos de seu presidente nas cúpulas do G-(7, 20, 77), BRICS e Nações Unidas e outras reuniões de alto perfil simplesmente não se traduzem em ações práticas e iniciativas políticas claras e coerentes quando o momento histórico assim o exige.

Tem sido assim na Ucrânia, com Lula começando seu governo visitando os EUA e aproveitando a ocasião para criticar a Operação Militar Especial (SMO) do púlpito na Casa Branca, com Biden ao lado, e culpar direta e indiretamente a Rússia pelo conflito. Nos meses seguintes, oficiais brasileiros posaram inúmeras vezes para fotos com notórios nazistas do regime em Kiev, incluindo o próprio presidente Lula que recentemente se fez fotografar com Zelensky – mesmo depois de ser grosseiramente destratado por este no G7 em Hiroshima. Até o momento Lula não fez, nem agendou, uma visita oficial a Moscou, alegando que não visitaria a Rússia – seu parceiro fundador nos BRICS – enquanto ela estivesse em guerra com a Ucrânia. Estranhamente, este raciocínio não se aplica quando se trata de visitar países da UE e os próprios EUA, agressores globais seriais e ativamente envolvidos em incontáveis conflitos na arena mundial, incluindo o conflito ucraniano.

O padrão errante e esquizofrênico se repete no conflito entre Hamas e Israel. Lula não perdeu tempo em expressar sua solidariedade à população de Israel e rotular indireta e superficialmente as ações do Hamas como terrorismo: As palavras de Lula são alimento para reflexão. O presidente parece ignorar completamente a história recente e remota da Palestina, bem como as sensibilidades dos palestinos. Sua falta de tato é rara em um político de sua estatura. Não estaria Lula ciente do histórico longo e volumoso de abusos contra civis pelo estado de Israel, que inclui inúmeros massacres, limpeza étnica, roubo de terras férteis e destruição contínua de infraestrutura?

Lula e seus oficiais deveriam saber que existem civis em Gaza também. E que estes civis, principalmente as mulheres e as crianças, são as vítimas preferenciais do bombardeamento contínuo de Gaza pelas forças armadas israelenses e dos ataques cotidianos perpetrados pelos inúmeros esquadrões da morte formados por colonos usurpadores de terra que operam nos territórios ocupados. Nada disso é segredo. Aliás, seu próprio conselheiro de política externa, Celso Amorim, que assina o prefácio do livro “Engajando o Mundo: a Construção da Política Externa do Hamas”, Daud Abdulah (Editora Memo), poderia instruí-lo sobre o assunto.

As declarações de Lula devem ser também avaliadas no pano de fundo da política doméstica brasileira, em que o bolsonarismo permanece relevante e se renova continuamente, principalmente devido ao apoio incondicional das igrejas evangélicas, que por sua vez são obcecadas por Israel. Estas conexões foram corruptamente exploradas por Bolsonaro, que estabeleceu uma aproximação imprudente e artificial entre a política externa brasileira e a agenda israelense, sempre para ganhos próprios. A maioria no congresso brasileiro está de uma forma ou de outra conectada com o bolsonarismo e/ou evangelismo, por isso a bandeira de Israel projetada na fachada do congresso na noite de sábado.

Longe de combater efetivamente estas tendências, o governo atual – não se trata de um governo de esquerda – se equilibra entre o wokeismo e o antibolsonarismo enquanto tenta não ceder espaço para ser rotulado como anti-israelense pelos bolsonaristas, o que levaria ao recrudescimento das críticas dos evangélicos. Ou seja, o status quo de cerca 2018 se preserva.

Finalmente, a história e as circunstâncias da criação e manutenção do Estado de Israel na Palestina constituem a essência, e sua realização mais concreta, do colonialismo, com todos os seus componentes e consequências nefastas. Uma ferida aberta na consciência da humanidade, como escreveu meu caro amigo Andrei Raesvky. Ou seja, trata-se de um conflito que é concreta e simbolicamente representativo dos desafios à frente de muitos dos países do Sul Global. A liderança brasileira não pode simplesmente alienar os interesses palestinos, fingindo que a história começou no sábado à noite e, ao mesmo tempo, se autoproclamar um líder do Sul Global.

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