Na condição de brasileiro com cidadania libanesa, ocupo este espaço, hoje, para sugerir a Lula um pouco de cuidado quando o assunto é política externa. Especificamente na crise russo-ucraniana, o presidente não pode dar uma no cravo e outra na ferradura. Mas deve evitar, dentro dos limites traçados pela globalização (ou seria ocidentalização?) do planeta, pisar em falso no cenário geopolítico onde mandam três senhores – dois dos quais, irmanados como siameses. De um lado, Tio Sam, na figura de Joe Biden; do outro, o czar Vladimir Putin e o imperador Xi Jinping. Está faltando o quarto cavaleiro do apocalipse. E nosso metalúrgico que venceu na vida não pode vestir essa carapuça.
Assusta-me tomar conhecimento, via páginas d’O Globo, que Lula, em seu plano de paz a ser discutido com Xi na próxima semana, vai insistir na saída de Putin da Ucrânia com as mãos abanando. Em outras palavras, o Kremlin precisa fechar a boca e fazer ouvidos de surdo aos apelos do pessoal do Donbass, em vias de extermínio do governo neofascista capitaneado por um palhaço. Será perigoso expor esse ponto de vista num tête-à-tête com o líder chinês, que resiste à tomada de Taiwan por um desmoronado império norte-americano.
Na eventualidade de realmente defender, em nome da paz, que os soldados da Federação Russa voltem para casa como se tivessem participado de um piquenique, Lula se verá obrigado a explicar a nossos hermanos que as Malvinas são Falkland; que os cocaleiros bolivianos podem atropelar os vizinhos peruanos e chilenos para ter um pedaço do Pacífico; e, pior, terá de mandar o companheiro Nicolás Maduro devolver o território de Esequipo, recém incorporado à Venezuela após derrota da Guiana de sotaque britânico numa batalha judicial que se travava há mais de um século.
Se Lula pensa em questionar o referendo que aprovou o ingresso do Donbass à Rússia por livre e espontânea vontade popular; em mandar que Putin recolha os mísseis nucleares instalados no Belarus, última fronteira com a Otan, sob o argumento de que nenhum país pode colocar em outro solo armas do Armagedon, ele precisa acionar seus neurônios e ver onde realmente está pisando. Até porque, se o Direito Internacional impede que potências desloquem ogivas para outras nações, como entender o fato de submarinos nucleares de Tio Sam lancem âncoras em portos de países aliados?
Em 1982, quando Lula se destacava como a maior liderança sindicalista brasileira, enterrando de vez o peleguismo que assolava o país, do outro lado do mundo, mais precisamente no campo de refugiados de Sabra e Chatila, 3 mil e 500 palestinos e libaneses, na quase totalidade crianças e mulheres, foram executados em apenas 48 horas, no maior massacre da história da humanidade pós-holocausto. As digitais do Estado de Israel ainda não foram apagadas desse episódio. Se o presidente é realmente ‘O Cara‘, precisa fazer uma viagem ao passado. Talvez, aí, ele descubra que a região do Donbass não é picadeiro de circo para que um palhaço faça suas travessuras e saia impune.
*José Seabra, de cidadania brasileira e libanesa, diretor-editor de Notibras