Entre as 1.528 manchetes de jornais, revistas e sites sobre o juramento, a posse, a subida da rampa e o jantar oferecido pelo presidente Luiz Inácio a dezenas e chefes de Estado e representantes de nações amigas, duas chamadas chamaram atenção pela desnecessidade de ambas. Uma informava que, de Orlando, para onde fugiu, Bolsonaro ignorou a festa de Lula. A outra, talvez a última das mentiras produzidas pelas viúvas da bolsolóide congênita, revelava que a posse foi fake. Ainda com a alma, o pulso e o imbrochável anestesiados, o presidente defenestrado, por absoluta ignorância e o tampo até aqui de mágoas e de ciúmes, ignorou a festa do ex-adversário. Ex porque o reizinho morreu, o mito fugiu e a lenda voltou. Então, o cara agora é Lula da Silva, também conhecido por Lula-lá.
Embora mais sem graça, a segunda chamada só mereceu algum alarde por causa da demência jornalística da ex-atriz Regina Duarte, que, mais uma vez, chocou a classe artística. Partiu dela a informação no Instagram de que a posse foi fake porque a faixa presidencial passada a Lula é diferente da recebida em 2019 por Bolsonaro. A Viúva Porcina sequer se deu ao trabalho de apurar na própria Presidência, onde saberia que a honraria utilizada por Luiz Inácio foi a mesma de Dilma e que a do Bozo foi confeccionada a pedido de Lula quando ocupou o Planalto pela primeira vez. Ou seja, desde domingo, dia 1º, a Alvorada nos quartéis é para homenagear o presidente da República símbolo das palavras paz, amor e solidariedade. Marchas militares agora só para comemorar a democracia.
Por falar em simbolismo, a simbologia contida na posse de Luiz Inácio foi das mais variadas e, caso tivesse mais um ou dois dias, não caberia nos 8,5 milhões km de extensão brasileira. Se fosse medida de acordo com a vontade do povo em tê-lo nos braços, talvez extrapolasse o território das américas. Quem viu teve certeza disso. Quem não viu, custou a acreditar que, mesmo sem água e sob um sol escaldante, petistas, ex-antipetistas, bolsonaristas arrependidos e muitos oportunistas enfrentaram mais de 2 km de fila para acompanhar a terceira ascensão democrática de Lula da Silva na Presidência da República. Com isso, Lula iguala-se ao gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, que, ao contrário do líder do PT, governou duas das três vezes como ditador.
O principal dos simbolismos foi a utilização, pela primeira vez na história, do povo como condutor e repassador da faixa presidencial. Para o cacique Raoni Metuktire e para a catadora de material reciclável nada mais marcante e inesquecível. Para o metalúrgico, o professor, a cozinheira, o artesão, a criança e o influencer com paralisia cerebral certamente foram sonhos realizados. Enfim, depois de 580 dias de reclusão duvidosa, Luiz Inácio precisou de 664 dias para virar o jogo, recuperar os direitos políticos e novamente adentrar o Palácio do Planalto como o 39º presidente de um Brasil destruído, abandonado, escanteado, isolado internacionalmente e alopradamente perdido em decorrência de pessoas menores e absolutamente despreparadas para cargos de sapiência e envergadura acima da média.
Aos simbolismos se juntou o ineditismo. O mais significativo deles envolve o antecessor, Jair Messias Bolsonaro, único presidente a não se reeleger depois da redemocratização, em 1989. Fernando Collor sofreu impeachment ainda no primeiro mandato e, por isso, não é listado. Também vale registrar os detalhes e a história do processo que acabou garantindo o retorno de Lula à rampa do Planalto. Inicialmente, lembro que Luiz Inácio, mesmo preso, liderou todas a pesquisas de intenção de votos. Depois, incluo a violação do sistema acusatório do agora mandatário, particularmente a decretação da prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O ex-juiz, ex-ministro e senador eleito Sérgio Moro não estava no meio da multidão que lotou a Esplanada dos Ministérios, mas, do sofá de sua soberba casa, deve ter acompanhado a volta por cima do cidadão que mandou prender ilegalmente.
Outro detalhe importante é que, ao contrário das fake news propagadas diariamente pelos extremistas da direita, inclusive Moro, o Poder Judiciário não foi o maior eleitor de Lula. Quem de fato o elegeu foi o povo, representado na posse por pessoas de todos os rincões. Além de Lula e do mar vermelho em que se transformou o gramado do Congresso e a Praça dos Três Poderes, valem registro os aplausos e gritos de apoio recebidos por Xandão, o xerifão Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE, que fez o mito perder o rebolado. Para encerrar a simbologia de Lula na Presidência, é grande o risco do Jair ser o próximo modelo dos uniformes avermelhados que o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, mandou confeccionar para mentirosos e foras da lei.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978