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Homem-show

Macalé sobe aos palcos lembrando que viver é lutar

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Julio Maria

Na grande bolsa das apostas, talvez poucos pudessem imaginar uma parceria entre Jards Macalé e Tim Bernardes. O primeiro, 74 anos, criou um idioma depois de desconstruir linguagens estabelecidas na música brasileira da segunda metade dos anos 60. Combativo, aglutinador, irônico, imprevisível. O segundo, 26, estabelece-se em um mundo que parece ter pulverizado qualquer sonho, restando apenas a solidão. Saem as lutas de classe, entram as angústias individuais. Sai o coro, entra o solo.

Jards e Tim, separados por 50 anos, já haviam subido juntos a um palco no Circo Voador uma vez, em 2016. Farrapo Humano, o rock and roll desconjuntado de Luiz Melodia que Jards gravou no disco de 1972, ganhou a voz e a guitarra de Tim em um momento de euforia. “Foi ótimo o que aconteceu ali. Aquilo me fez querer conhecer o grupo de Tim, O Terno, e começamos a pensar nessa participação.” Foi quando começou a ser articulado o show que vem neste sábado, 4, a São Paulo, em apresentação única na Casa Natura.

Ainda não há novidades no repertório de Jards Macalé. O que ele traz é o que todos querem ouvir, uma sequência de Farinha do Desprezo, Vapor Barato, Hotel das Estrelas, Negra Melodia, Let’s Play That, Só Morto/Burning Night. Quando estiver ao lado de Tim, vai cantar Mal Secreto, Soluços e, claro, a que mais o divertiu no primeiro encontro, Farrapo Humano. O disco de inéditas sai em 2018. “Estamos ainda – eu, o Kiko Dinucci e o Rômulo Fróes – na fase dos brainstorms. São as pessoas com as quais me identifico musicalmente”, diz.

Sobre O Terno, o grupo de Tim, Jards usa superlativos para descrever o que sentiu ao conhecê-lo. “São sensacionais como grupo. E o trabalho solo de Tim (o recente Recomeçar) é espetacular, dos melhores que já ouvi recentemente.” É curioso ouvi-lo empolgado assim com um discurso que aparentemente não se comunique com o seu. “Musicalmente, gostei muito do acabamento, de como fizeram bem todas as etapas de produção, das letras não fúteis.”

As causas esvaziadas pela descrença; a troca de um inimigo visível (a ditadura) por um mal generalizado (a corrupção); a pulverização do sentimento coletivo desde o próprio consumo de música. O mundo estaria gestando uma geração de homens tristes? “Não sei se tristes. Há uma melancolia ali, sim, que pode estar refletindo o momento em que estamos hoje. Eles falam da dor, mas com certa leveza. A minha geração vinha com mais ironia.”

E qual seria o pior Brasil de todos que Jards Macalé conheceu, desde os tempo do Morro da Formiga, onde nasceu, no bairro da Tijuca, respirando sambas e Vicente Celestino, até os tempos modernos de se cantar com Tim Bernardes? O Brasil de hoje é o pior, é assustador.” Pior do que os anos de regime militar e de ausência de liberdade de expressão? A pergunta é delicada.

“A ditadura era horrível, aquela sucessão de golpes com militares, um após o outro, bancados pelos Estados Unidos. Mas a democracia trouxe a esperança, até que tudo acabou de novo e caímos nesse buraco enorme. O Congresso é horrível, os políticos são horríveis e as ameaças são graves.” E então, qual é o sonho de hoje? “Sair desse buraco.” Sair por onde? “Não sei, não vejo nada pela frente, a não ser continuar. O problema é que não sabemos mais o que é democracia.”

Teria então a sua geração, exposta aos cassetetes, lutado em vão? “Não lutamos em vão, não me arrependo de nada. Lutar é algo que temos de fazer sempre, mas o momento em que vivemos é esse, como se não tivéssemos mais sonhos.” Você sempre foi um homem alinhado a ideias de esquerda. Como se identifica agora? Jards sorri e responde: “Isso é difícil de responder porque parece que está tudo no chão, parece que não sobrou nada. Deve ser um mal momento. Há de haver algo por aí.”

O apelido Macalé, impresso com força no nome de batismo Jards Anet da Silva, vem de sua fase vivendo em Ipanema, ainda garoto, quando chegou sem nenhuma intimidade com a bola. O verdadeiro Macalé, à época, era considerado um dos piores jogadores do Botafogo. Um roqueiro na essência, mas desses de nunca deixar-se ir pelo leito dos acomodados, ele sobe ao palco com um trio, o formato que lhe deixa com aquele acabamento “mal acabado” dos discos dos anos 70, aquele quase solo de guitarra, aquela quase canção. Estão na banda Pedro Dantas (baixo), Victor Gottardi (guitarra) e Mauricio Calmon (bateria).

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