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Maioria dos brasileiros tem vergonha de ser honesta

Tema inesgotável para qualquer tipo de narrativa, as leis brasileiras são tantas que, na maioria dos casos, beiram a inutilidade. Na maioria das vezes, o pouco caso com elas é mais grosseiro do que a inutilidade. Infelizmente, isto nos remete a uma certeza: a impunidade no país ultrapassa os séculos. Podemos acrescentar a essa afirmação a tese popular de que boa parte da sociedade não crê em mais nada. Às vezes, nem mesmo nela. Sem exageros, o descrédito sobre nossa legislação lapidou um pensamento antigo, mas ainda muito atual: “Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis. Em síntese, as leis inúteis debilitam as necessárias”. Se a frase for mentirosa, que atire a primeira pedra.

Perfeito como cidadão, Mahatma Gandhi disse certa vez que quando “a injustiça se torna uma lei, a desobediência é uma obrigação moral”. Mais um fato inquestionável em se tratando de Brasil. “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. Trecho de um dos mais eloquentes discursos de Rui Barbosa na tribuna do Senado, a frase, proferida em 17 de dezembro de 1914, soou como um desabafo contra a anistia de assassinos confessos envolvidos em uma chacina de presos no convés de um navio mercante, durante uma expedição armada pelo governo da época.

A chacina em questão ficou conhecida como Caso Satélite. Mais de um século se passou e a impunidade no Brasil continua a mesma. Ao longo dos tempos, vários casos de roubalheiras fizeram – e fazem – o Brasil chorar. Talvez eu esteja exagerando, mas, com algumas exceções, o povo adora idolatrar corruptos, mafiosos e terroristas. Só como ilustração, vale lembrar que o inglês Ronald Biggs (assalto a um trem pagador na Inglaterra) e os italianos Tommaso Buscetta, Salvatore Cacciola e Cesare Battisti viveram no Brasil uma longa e dolce far niente (ócio prazeroso). Sem medo de errar, posso afirmar que, fora os do crime organizado ou aqueles produzidos por bandidos mequetrefes, a maioria das maracutaias sem punição – ou todas – foi protagonizada ou teve a participação de políticos, os mesmos que fazem as leis.

Considerando que a porcentagem de crimes elucidados é pouco superior a 40%, contra 63% do restante do mundo, dificilmente conseguiremos nos livrar nessa existência da pecha de país da impenitência. Triste para uma nação que por décadas foi endeusada pela alegria do samba e do futebol. Hoje, nos sobrou o jeitinho, a malandragem e o tesão pela impunidade. E não importa o nível. Importante é estarmos na contramão do mundo. Como cobrar punição para políticos é chover no molhado (não dá em nada), resta-nos falar da ausência deles no cotidiano do país. Fazedores de leis em benefício próprio, normalmente deixam brechas nas propostas aprovadas em favor do povão, cuja sina é ser culpado mesmo quando está calado. Semana passada, a Justiça de São Paulo inocentou dois policiais militares acusados pela mortes de dois suspeitos de roubo atingidos por 50 tiros.

Repito: 50 tiros. A ação foi filmada por uma testemunha, que postou uma série de imagens nas redes sociais. A defesa dos PMs alegou legítima defesa porque os dois suspeitos estavam armados. Suas excelências ignoram que as imagens mostram apenas os disparos efetuados pelos policiais. Ou seja, mais uma vez venceu a força. A última barbárie parlamentar é de autoria do deputado federal Capitão Augusto (PL-SP). Ele é autor de um projeto que defende a anistia aos policiais militares processados ou punidos pela atuação no chamado Massacre do Carandiru, em 1992. Muito além do farisaísmo, o argumento é que, durante uma rebelião, os policiais têm de agir de maneira proporcional “para conter as violência dos rebelados e, assim, cumprir sua missão de manter a ordem pública”.

Péssimo exemplo de corporativismo, essa maluquice foi aprovada na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. Pior de todas as violências contra a isonomia social (que também é uma lei) é o colegiado do STF aprovar por unanimidade 18% de aumento em seus próprios contracheques, extensivo aos servidores dos tribunais. Azar de quem não pertence aos quadros do Judiciário. Estou cuspindo no prato que comi por 17 anos, mas é inaceitável admitir que os magistrados entendam como justo um reajuste no momento em que milhões de brasileiros não têm emprego e milhares estão abaixo da linha da pobreza. Se suas excelências desconhecem, o povo não esquece que assistir a uma injustiça e nada fazer para impedi-la faz o ser humano ser tão culpado como quem a comete. Pobre povo.

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