Notibras

Mais do mesmo de Jair Bolsonaro na ONU

Foto: Fábio Motta/EstadãoConteúdo

De olho nos holofotes que os eventos poderão trazer a 14 dias do primeiro turno das eleições presidenciais, o mandatário Jair Messias esqueceu que o Brasil está literalmente em chamas e partiu para novos retratos com famosos, alguns até já defuntos faz alguns dias. Pouco importa. Como um antigo personagem sovina da Escolinha do Professor Raimundo, fazemos qualquer negócio por uma ou duas dúzias de votos. Popularmente falando, é tudo por um, dois ou três flashes. As chuvas estão despontando no horizonte, mas, fora a fome que não passa, o país ainda sofre com canteiros de cinzas. E daí? Importante é estar na Inglaterra, onde sua excelência adentrou nesse domingo (18) na Câmara Ardente da Rainha Elizabeth II, vestiu a indumentária de Dom Narciso I e, à noite, teve um encontro reservado com o “colega” de reinado Charles III. Mesmo com intérprete de última hora, Narciso I deve ter ficado a ver navios.

Liberado graças à intermediação do Itamaraty, a presença do tradutor salvou Narciso I de muitos fiascos no Reino Unido. Não sei se Sua Alteza Real perguntou, mas certamente ficaria sem resposta sobre algumas de suas maiores preocupações com o Brasil de Bolsonaro: as queimadas, o desemprego, o golpismo, as ameaças à imprensa, entre muitas outras mazelas. Informado antecipadamente de que o retorno a respeito de qualquer destes temas seria mentiroso, imagino que Charles tenha preferido a informalidade. Por exemplo, talvez tenha indagado qual dos clubes do rei brasileiro será campeão do Brasileirão 2022, da Copa do Brasil e da Libertadores. Claro que ninguém ouviu a argumentação, mas seu passado futebolístico o condena. Basta que alguém lembre a última camisa que ele envergou.

Eu sei, mas prefiro que queimem a mufa e descubram. É fácil. O que ele quer é povão e retratos com famosos. Aliás, antes que alguém pense alguma besteira, deixa eu consertar uma informação para acalmar desintelingentes ou desentendidos que adoram adorar quem não os adora. Quando afirmei que Narciso I adentrou a Câmara Ardente da Rainha Elizabeth II, pensei apenas em informar que sua excelência visitou o recinto onde se faz um velório ou onde se deixa o defunto até a hora do funeral. Nada mais do que isso. Eita povo que só entende o que quer!! Parece aquela nossa parte interna que, apesar de todas as evoluções humanas, permanece obscurecida.

Lembra ainda o mistério da Esfinge de Tebas (decifra-me ou te devoro), cuja proposta era eliminar aqueles que se mostrassem incapazes de responder a um enigma. Antigo mito grego, Tebas e sua charada ainda hoje são utilizados no Brasil da esculhambação. A senhora eleitora de Luiz Inácio que perdeu uma marmita doada por um bolsonarista é a prova concreta disso. Além das fotos, de um disco novo dos Beatles, de um hambúrguer ou um pastel de charque sobre uma das 33 pontes do Rio Tâmisa, Londres também rendeu ao presidente brasileiro um importante encontro com o ministro de Negócios Estrangeiros do Reino Unido. Tomara que essa reunião tenha sido bem explorada.

O ministro é de negócios, mas não deve saber se as pesquisas de intenção de votos no Brasil, todas com 12% 13% de diferença entre o mito e o primeiro colocado, são honestas. Convenhamos que isso não é assunto para ser tratado com uma autoridade inglesa. Brincadeiras à parte e fora os flashes, gostaria de saber o que um presidenciável faz fora do país a 14 dias da eleição. Tudo bem que a mão sobre o caixão de Elizabeth II e o aperto de mão com o rei Charles III rendem boas imagens. No entanto, as melhores foram o polícia londrina protegendo ambientalistas do ódio dos bolsonaristas raivosos. É o desespero. Se preferem, aceito que as viagem ao Reino Unido foram um aperitivo para a abertura da 77ª. Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (20), em Nova York, quando ele disporá de 15 minutos para “vender” o Brasil.

A depender da extensa comitiva e da presença do comando de campanha, liderada pelos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Arthur Lira (PP-AL) e pelo jornalista Fabio Wajngarten, voltaremos dos Estados Unidos com Joe Biden no bolso e, provavelmente, com Vladimir Putin na bagagem. Nada disso. Não tenho expertise alguma em matéria externa. Desnecessário. Mais uma vez, basta recuperarmos o passado do mito e nosso abandono internacional. Novamente o discurso será mais do mesmo, isto é, nada a declarar. Quanto a eventuais ganhos eleitorais, o avanço da pobreza, o crescimento das queimadas, as constantes ameaças à democracia e os ataques ao sistema eleitoral falam por si. Resumindo a viagem inócua, numa situação normal, nem mesmo o título do Flamengo ou do Corinthians deverá salvar o eminente presidente do iminente fracasso das urnas.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

Sair da versão mobile