Arte do possível, a política é o ofício de captar em proveito próprio a paixão dos outros. Ela também faz desejos egoístas parecerem do interesse nacional. Mesmo tardio, o contraponto lembra um dos mais célebres versos do poema Versos Íntimos. De Augusto dos Anjos: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Maioria das três últimas gerações de políticos, os que somem dos eleitores e os que buscam o poder à custa da lama que espalha um dia sentirão o peso da “espada de Dâmocles”, metáfora que representa a insegurança de quem se acha muito poderoso.
Sem o prestígio, o comando, a força e a autoridade natural de políticos do passado, alguns atuais deputados e senadores conquistam poder pelo autoritarismo ou pela forma como conseguem emparedar presidentes da República. Como se fossem os donos do mundo, fizeram isso com Luiz Inácio, Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e novamente com Lula. Sem coroa e sem trono, agem como reizinhos, sempre explorando o apoio de seus pares despudorados, ingênuos ou loucos pelo resultado das barganhas que seus “líderes” impõem aos mandatários que falsamente apoiam.
É o caso dos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Como o tempo é o senhor da razão e normalmente se transforma em um metafórico escultor de ruínas, a batata de ambos está pra lá de assada. A partir de fevereiro, eles deixam de ter o regimento debaixo do braço, a chave do balcão de negócios e o chicote na mão direita ou, conforme a conveniência, às vezes na esquerda. Está chegando a hora. Mesmo mantendo o mandato, os citados caciques sabem que começarão a trilhar o tortuoso caminho do plenário sem pompas, algo muito próximo do ostracismo político.
Antigo na cobertura política e velho conhecedor de casos semelhantes, sempre soube que os poderosos combatem entre si até a morte física ou política. Por conta do que já vivi nos corredores e gabinetes do Congresso Nacional, o que posso adiantar é que Brasília, particularmente a Esplanada dos Ministérios, não perdoa aqueles que, se achando mais poderosos do que os imperadores, entendem como incapazes todos os súditos aristocraticamente mais fracos. Agem assim porque esquecem que a força e a soberba são temporárias.
Ou seja, os eminentes, dominantes e influentes de hoje naturalmente serão os plebeus de amanhã, principalmente porque, à sombra deles, cresce o ressentimento dos que malandramente vivem dos seus favores. Foi assim com Antônio Carlos Magalhães, com Luiz Eduardo Magalhães, Aécio Neves, Michel Temer, Ibsen Pinheiro, Severino Cavalcanti, José Roberto Arruda e mais recentemente com Eduardo Cunha. Nenhum deles morreu ou se encostou como herói. Pelo contrário. Definitivamente, na política os costumes são mais fortes do que as leis.
Como prova de que não há bem que nunca se acabe e mal que dure para sempre, alguns tiveram de renunciar ao mandato para se livrar da temível cassação, enquanto outros acabaram vergonhosamente presos por conta da riqueza adquirida às custas do suor alheio. Um ou outro pode até emprestar seus nomes para batismo de ruas, praças, avenidas, aeroportos e até de cidades. O que nunca conseguirão é a perpetuação como exemplos de homens públicos. Do meu tempo, talvez Mário Covas e o mestre e sempre lembrado Ulysses Guimarães tenham se salvado da maldição de Brasília.
Morreram, mas permanecem vivos na lembrança de todos os que lamentam a lambança em que se transformou a política brasileira do século XXI. Cientes de que novos malignos virão, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco correm contra o tempo. Sem a caneta, a varinha de comando do painel de votações e sem a teatralidade do cargo, ambos descerão do pedestal e obrigatoriamente terão de dobrar o joelho e rezar na mesma cartilha dos mais roucos. Deixar de lembrar que o grito dos mais silenciosos também ecoa é o mesmo que desaprender que o maior castigo para políticos poderosos é a memória curta.
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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978