Sabe aquele instante em que dá um estalo e esticamos o pescoço para trás, como se querendo entender o sentido da vida? Pois é algo assim que me acometeu ao visitar a parentada em Brasília. Obviamente, até mesmo por conta do meu parco conhecimento sobre o Distrito Federal, fui com meus pais. É que tenho apenas um ano e meio, apesar de alguns ficarem espantados com a minha capacidade de raciocínio.
— Não é possível que Malulinha seja tão nova! Gente, como é inteligente!
— Pois é… Tutano é o que não lhe falta!
— Diria que tem, no mínimo, dois anos!
Se sou mimada? Ah, minha resposta é seca e certeira: morde aqui meu dedinho mindinho da inveja alheia. Mas deixemos sua implicância de lado, pois o tempo urge e não dá para ficar de bobeira, ainda mais quando o trem da vida não espera os que acordam tarde.
Por falar em trem, acabei de me lembrar de algo que me aflige, ainda mais quando recebemos visitas. É que sou dessas pessoas de bochechas boas de apertar. Pois é, você, com essa cara chupada, é que tem sorte. Coitada de mim, que levo ao menos alguns beliscões diários.
— Ah, que coisa mais fofa! Dá vontade de ficar apertando essas bochechas o dia inteiro. Dona Irene, como é que você resiste a tanta fofura?
Não adianta fazer caras e bocas para minha mamãe, que nesses momentos fica com o orgulho tocando as nuvens.
— Ah, Taíla, não é porque a Malulinha é minha filha, mas ela é muito fofa mesmo!
Não sei se você sabe, mas tenho duas irmãs grandonas, além de outras duas com cara de buldogue. Deve ser porque estas sejam mesmo duas buldogues. Uma mais linda do que a outra. Seus nomes? Bebel e Clarinha. Pois quero falar uma coisa que elas fazem todas as vezes que saímos juntas.
Imagine a cena: lá estamos mamãe, papai, Bebel, Clarinha e eu no parquinho cheio de cachorros. Toda vez que algum se aproxima de mim, eis que a Bebel e a Clarinha não permitem que nenhum deles chegue muito perto. Ainda bem! Já imaginou voltar para casa toda melecada de tantas lambidas? Já basta a avalanche de lambidas que as minhas irmãs me dão a todo instante.
Por que estou falando sobre isso? Hum… Tive uma ideia! Vou pedir para a Bebel e a Clarinha formarem uma barreira entre mim e as criaturas sem-noção que cismam em me dar beliscões nas bochechas. Se vou sentir falta disso? Não muito, pois a vida corre que nem preá fugindo de gato-maracajá. Como mamãe costuma dizer, já sou quase um bebê adulto.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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