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Orquídea e o frio

Manoel muda, usa casaco de lã e economiza na luz

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Igor Matheus Santiago

Tamanho era o frio, que até o velho termômetro na parede tremia. No entanto, Orquídea, enrolada no seu xale de lã, era toda sorriso. Não que tivesse sido sempre assim, pois, durante a juventude, os ossos tremiam por qualquer brisa. Parte do viço se foi quando chegou aos 80, mas advieram os calores da idade, que a protegiam dos invernos, por mais rigorosos que fossem.

É verdade que a mulher penava nos verões, cada vez mais abrasadores. Entretanto, graças às economias feitas durante décadas, quase sempre viajava em busca de temperaturas mais amenas. Durante os rigorosos verões, ela evitava o Rio de Janeiro e, não raro, passava algum tempo em Bariloche.

Nessas idas e vindas, Orquídea tomou gosto por chimarrão. Não que precisasse de algo para esquentar, mas apreciava a comunhão em volta da cuia. Sorvia seu quinhão e, em seguida, passava adiante naquele giro de amizades, muitas feitas ali mesmo.

Não se sabe ao certo se foi aos 81 ou 82, talvez tenha sido aos 83, quando Orquídea, por um desses acasos da vida, se viu apaixonada por Manoel. Tudo parecia perfeito, haja vista o homem, além de ter uma pequena fortuna, ainda era um tipão, o que despertou até certa inveja nas amigas. No entanto, o galã dos bailes da terceira idade possuía um hobby. Pois é, apesar do reumatismo, era surfista, mas não um surfista qualquer. Amava os pranchões.

Como era primavera, as palpitações do coração de Orquídea a impediram de vislumbrar o óbvio impasse da estação seguinte. Coisas miúdas diante da paixão arrebatadora, que chega a qualquer idade sem pedir licença. Amaram-se, até que o calor começou a incomodá-la.

Aquele verão veio para castigar. A mulher suava em bicas, enquanto o amado parecia o mais adaptado espécime àquele calor infernal. Ele insistia em chamá-la para uma ida à praia, logo ali adiante. Que nada! Orquídea não arredava o pé do quarto, quando muito ia até a cozinha pegar um bom copo d’água abarrotado de gelo.

Manoel logo entendeu que os diferentes podem conviver. Surfava todas as manhãs ensolaradas, enquanto a namorada ficava trancafiada no aconchego do lar. Dessa forma, passaram pelo verão carioca. Sobreviveram, a despeito da conta de luz, que quase triplicou por conta do ar-condicionado, ligado dia sim, dia também. Todavia, parece que o homem já providenciou belos casacos de lã para o próximo inverno.

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