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Mamadores do erário

‘Manter esperança viva no Brasil (em meio ao caos) é um ato revolucionário’

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo

Qual é o melhor Brasil para os brasileiros? Considerando a nova ordem norte-americana e a nossa falta de criatividade para gerir eventuais distúrbios políticos, acho que é aquele que ainda não foi inventado. Talvez seja o que normalmente é dirigido por pessoas que, a exemplo do Bombril ou do absorvente feminino, avaliam a população brasileira como algo descartável. Usou, joga fora. Somos o único país do mundo onde brotam a jabuticaba e a bandalheira das emendas parlamentares. A fruta só chupa quem trepa. Quanto às emendas, os mamadores são os mesmos de sempre. Sobra para o povo as mazelas crônicas da saúde, da educação e da insegurança.

Já dizia um rei que todos idolatravam que precisávamos aprender a votar. O tempo passou, o rei se foi e continuamos aqui, votando como se os fins justificassem os meios. Ao afirmar que o Brasil não tem povo, mas sim público, o escritor carioca Lima Barreto certamente se referiu à ideia de que, mesmo com a mudança da monarquia para a República, o povo permaneceu apenas como plateia passiva diante dos acontecimentos. E se mantém dessa forma até hoje.

Ou seja, a frase de Lima Barreto parece muito mais atual do que a época em que foi escrita. Também atualíssima é a célebre tese do não menos célebre Stanislaw Ponte Preta, para quem a consciência é como a vesícula: a gente só se preocupa quando ela dói. E assim vamos vivendo até o dia o juízo final. Me cansei da ideia de que os dias ruins são necessários para os dias bons valerem a pena. Odeio política, mas não consigo viver sem explorar as deficiências dos políticos. Falo das deficiências porque os poucos com alguma eficiência estão mortos.

Aliás, nada mais didático do que o provérbio popular afirmando que um dos primeiros presidentes do Brasil foi Prudente de Morais. De lá para cá, tivemos e temos um monte de presidentes imprudentes e imorais. O sentido da palavra alquimia na realidade da população brasileira alcança hoje todos os sinônimos possíveis. Para a maioria dos habitantes do planeta, somos um povo alegre, de bem com a vida e que, metaforicamente, ri de fratura exposta. Entretanto, quem nos conhece sabe que não é bem assim.

Dispomos de uma natureza inigualável, riquezas infindáveis, criatividade a toda prova e uma enorme vontade de viver. Resumindo, temos tudo para ser feliz. E por que não somos? Culpa de pelo menos seis dos numerosos sinônimos do termo alquimia. Para continuar vivendo, a gente diariamente engana, oculta, disfarça, dissimula, encobre e mente. Faz algumas décadas espero pelo futuro que nunca virá. Nossa arte termina exatamente onde começa a esperteza de quem nos conduz. Ultrapassado e esquecido o legado da família, o início da realidade desastrosa é o poder dos governantes.

Com raríssimas exceções, eles fingem que governam e nós fingimos que somos governados. Depois, votamos para que sejamos representados no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais. Após empossados, nossos representantes se transformam em dominadores. Da noite para o dia, viram manipuladores de marionetes. Invariavelmente, os bonecos somos nós. Tentar sair do domínio, da mordaça e do controle oficial pode significar a morte, pois do outro lado está a organização do crime organizado, atualmente com tratativas bilaterais com muitos dos chamados homens públicos. Acredito ter sido essa a razão para o educador Paulo Freire concluir que “num país como o Brasil, manter a esperança viva é em sim um ato revolucionário”.

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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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