Até agora a insossa, inodora, requentada e sem graça campanha presidencial tem mostrado os vários brasis que habitamos. O mais frágil deles é o que ouve sem reagir e acredita nos descalabros apresentados diariamente na propaganda eleitoral do rádio e da televisão. O pior é o habitado por aquelas pessoas carregadas de insensibilidade. São as mesmas que passam ao largo de tudo isso, que não se incomodam com os números da fome, do desemprego e da inflação. Quando desavisadamente são confrontadas, fazem ouvidos de mercador ou preferem a paisagem da janela, normalmente muito mais interessante do que as mazelas do povo.
Assim como são as criaturas, são os candidatos. Aliás, às vezes eles se confundem. Em outras, são os próprios. Em resumo, não temos a quem recorrer. A falta de ação de boa parte do eleitorado, a crendice nos falsos profetas, a expectativa de um dia conseguir melhorar de vida e a cretinice dos poderosos são males crônicos no cotidiano brasileiro. Faz parte de nossa realidade os espertos comandarem os leigos, os esperançosos e os incautos, principalmente estes. É o Brasil das misturas e de cada um no seu canto. Incluir, contribuir, apoiar e ajudar são verbos que não passam da primeira página dos discursos de candidatos a quaisquer cargos eletivos.
Natural e misteriosamente, somos, ao mesmo tempo, celestial, mundano, profano, eclesiástico, freiral, místico, monástico e espiritual. O problema é quando a gente se indispõe com as piadas externas. Embora verdadeira, uma delas causou comoção e vários textos de desagravo ao Vaticano. Protagonizada pelo papa Francisco, a pilhéria em questão ocorreu em maio do ano passado, ocasião em que o pontífice brincou quando o padre paraibano João Paulo Souto Victor pediu orações para os brasileiros. Com naturalidade e obviamente em tom de brincadeira, Francisco respondeu: “Vocês não têm salvação. É muita cachaça e pouca oração”. A piada estava pronta, mas a verdade é quase absoluta. Vale lembrar que Francisco é natural da Argentina, nossa queridíssima vizinha.
Gozado é que as reações ao papa e àqueles que hoje avaliam o Brasil como pária do mundo partiram e partem dos que hoje, hipocritamente, se dizem defensores da imagem da Terra Brasilis. Trágica não fosse cômica, esse tipo de afirmação esbarra na vida real. Solidariedade que é bom, nem pensar. Os que parecem defender o Brasil pouco se importam quando a fome, a ausência de empregos, a insuficiência sanitária, a precariedade da saúde, a violência urbana, o racismo e a falta de moradias dignas para a população ultrapassam fronteiras e nos qualifica como ralé do planeta. Infelizmente é o que somos e o que seremos se mantivermos a incapacidade de reação. Aliás, reação é o mantra a ser cantado em 2 de outubro.
O desafio de 2022 é escolher bem o presidente da República no próximo domingo. Lutemos por aquilo que queremos, de modo que, no fim do túnel, ainda que não vençamos, que possamos dizer que usamos de todas as armas e que nos esforçamos para mudar. Embora poucos acreditem, ter um candidato para chamar de nosso não é crime. Crime de omissão é aceitarmos silenciosamente a substituição da discussão política pelo debate ideológico pueril e fanatizado. As propostas e as ideias deram lugar ao sufocante discurso de padres, pastores evangélicos sem noção, líderes de terreiros, blogueiros de má índole e, principalmente, disseminadores covardes de fake news. No fim desse túnel há de ter alguém que nos represente. E isso dependerá exclusivamente de nossa escolha
Tudo bem que os debates entre os presidenciáveis há décadas são muito mais do que pífios. São locuções mal escritas e dirigidas a eleitores deliberadamente moucos e de vozes rancorosas. Contudo, precisamos acreditar em alguém. Por isso, é salutar não nos esquecermos da Lei de Newton ao ouvirmos com a devida atenção o que é produzido pelos candidatos. Infelizmente, muitos são aventureiros, loucos por dinheiro público e enganadores. Sei que ouvi-los é pior do que uma dose cavalar de purgante. No entanto, melhor estarmos atentos, sob pena de termos de enfrentar o efeito do laxante sobre nossas cabeças. A sete dias da eleição, lembremos que, em última análise, devemos acreditar em nós mesmos, sob pena de perdermos a confiança que nos resta. Como dizia nas brincadeiras de bolinhas de gude – bilocas, bolitas ou chimbres para alguns -, o jogo agora é a vera, ou seja, é para valer. Resumindo, é bola ou búlica. Votemos pelo menos naquele que não nos fará mal.