De segunda a sexta, pela manhã, a faxineira V. limpava a sala do delegado Agostinho Cascardo, corregedor da Polícia Federal em Roraima. No último dia 30 de setembro, uma quarta-feira, por volta de 8h40, ela recolheu o lixo e pegou um bombom. Segundo ela, o chocolate estava “em uma caixinha”, na mesa ao lado da que o delegado usa.
“Até hoje eu me pergunto: ‘Que burrada que eu fiz?'”, diz sobre o bombom da discórdia.
A faxineira afirma que ia contar ao delegado que havia comido a guloseima. Só que no meio do caminho havia uma audiência.
V. conta que após pegar o bombom, limpou outra sala, saiu do prédio da PF para ir à Justiça. Naquele dia, ela tinha audiência do seu divórcio. Quando voltou ao edifício da corporação, diz, foi recebida por um policial.
“Eu, inocente, nem pensei em nada. Eu jamais imaginaria que fosse por causa desse chocolate. Ele perguntou: ‘você, por acaso, foi na sala do corregedor e pegou um chocolate? Eu respondi: ‘peguei’. Eu jamais vou fazer uma coisa e dizer que não fiz. Eu assumo. Ele perguntou: ‘o que você fez?’. Eu falei: ‘eu comi’. Ele falou: ‘cadê o papel?’. Eu disse: ‘eu joguei’. ‘Jogou aonde?’, ele disse. ‘Joguei no lixo’, respondi”, explica a faxineira. Segundo ela, o papel do chocolate foi apreendido e levado como prova.
Câmeras de segurança interna do prédio da PF registraram o momento em que a faxineira comia a guloseima do delegado Cascardo, que é corregedor da corporação em Roraima. A Ordem dos Advogados do Brasil no Estado decidiu acompanhar o caso e dar apoio à faxineira.
V conta que “o fato de eu ter pego lá… Não foi assim: ‘vou lá pegar o chocolate’. Se fosse assim, eu teria pego a caixa toda. Eu tirei só um. Até hoje eu me pergunto: ‘Que burrada que eu fiz?’. Eu não mexo nas coisas de ninguém. Quando eu fiz isso aí, eu falei no depoimento, depois eu volto na sala e falo com ele. Eu tinha uma audiência, que seria 9h20. Eu fui para minha audiência e acabei não falando com ele antes de sair do prédio. Quando eu voltei, um policial disse que alguém queria me ouvir. Eu achei (o papel). Eu estava no piso 2 e achei o papel no piso 3. Todo o tempo um deles na minha cola, como se eu tivesse matado alguém, tivesse feito um crime bárbaro”.
Questionada se procurou o papel no lixo, V disse: “abri dois sacos e achei. Um delegado disse: leve que eu já vou ouvi-la. Eu disse que eu estava com pressa, queria que ele fosse logo falar comigo, porque eu tinha que buscar meus filhos na escola. Meu horário de trabalho era até as 11h. Depois, eu voltava às 13h”.
V conta que o delegado perguntou ‘o que passou pela sua cabeça?’. “Não passou nada. Eu peguei, mas minha intenção era falar com ele. Só que como eu estava preocupada com a minha audiência, eu não fui. Eu disse: ‘rapaz, eu acredito que isso não era para tanto, não’. A minha preocupação maior é a minha imagem e o meu nome. Nos olhos do povo eu fui atrás de reportagem (para falar sobre o assunto). Na verdade, não fui eu”.
Sobre a marca do chocolate que comeu, V disse não saber qual era. “Não sei. É uma pergunta que todo mundo me faz. Não sei o nome. É pequenininho, ficava bem juntinho um do outro. Só sei dizer que não é Garoto, Nestlé,… Eu já tentei lembrar, forcei a mente, mas tá difícil”, disse, completando: “gostoso era, chocolate é raro ter um ruim”.
Por meio de sua Assessoria de Comunicação Social, a Polícia Federal disse que “reitera que não instaurou inquérito policial ou qualquer outro procedimento investigativo sobre os fatos ocorridos nas dependências do órgão. Nesse sentido, informa também que não houve prisão em flagrante, autuação em flagrante ou mesmo detenção de qualquer pessoa.
Nos últimos meses, foi verificado o desaparecimento de objetos e dinheiro nas instalações da PF em Boa Vista. Embora esses fatos já estejam sendo investigados, houve reforço na segurança corporativa do prédio com a instalação de novas câmeras em locais estratégicos, entre elas, a do Corregedor Regional, uma das áreas mais sensíveis do imóvel, uma vez que concentra apurações de assuntos internos. Neste local, foi captada imagem, em vídeo, da subtração do bem, sem a devida autorização.
Embora de valor econômico irrisório, o Corregedor entendeu que houve quebra de confiança e noticiou o fato ao delegado de plantão, que decidiu ouvir a zeladora em termo de declarações. Para que não houvesse conflito de interesses no caso, o termo foi encaminhado ao Corregedor Substituto, que concluiu pela atipicidade material dos fatos, ou seja, que o fato não se tratava de crime.
O termo, juntamente com o parecer do Corregedor Substituto, foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que exerce a função de controle externo da atividade policial.
A PF ressalta que o Corregedor em Roraima apenas noticiou o fato ao delegado de plantão, agindo de forma regular com os normativos internos.”