— Quando mesmo ela disse que chegava?
A mãe de Aline teve que responder pela trigésima vez a mesma pergunta, feita ora pela avó, ora pela tia, ambas cada vez mais impacientes.
— Ela saiu de lá dia 25 de janeiro. Mas a viagem é lenta e precisa ser realizada com segurança. Ela já deve estar chegando.
Todas elas sabiam que a jornada seria longa e sujeita a atrasos. O lado bom dessa demora é que havia mais tempo para deixar a casa arrumada para receber carinhosamente a querida visitante. A viajante vinda de longe também poderia se ajeitar com tempo para o grande momento de sua chegada. Quem sabe escovar os dentes, pentear o cabelo, desamarrotar a roupa. Mas isso não servia para Aline. Menina desprendida de vaidades, ela não estava nem aí com a roupa, muito menos com dentes e cabelo.
— O importante é que chegue com saúde. Disse a avó retomando a conversa.
— Podemos ver a tábua das marés. O barco para atracar no porto precisa de maré favorável. E você sabe que as marés são submissas à lua. Disse a avó com ares de marujo de longo curso.
— Bobagem! Hoje em dia os barcos possuem alta tecnologia. Podem ancorar em qualquer porto e a qualquer hora, independente da lua que for. Falou a mãe de Aline que não acreditava muito nessas coisas lunares.
— Mas vocês podem ficar tranquilas. Sempre que eu me comunico com Aline, ela me conta como está sendo ótima a viagem e que não vê a hora de estar aqui conosco. Disse a mãe da menina na tentativa de acalmar tanto a família quanto ela mesma.
Em viagens marítimas podem haver percalços. Um mar agitado é capaz de deixar o viajante tão mareado, que seu maior desejo seja o de pisar em terra firme. Felizmente Aline navegava em águas plácidas e com vento a favor sua viagem transcorria numa boa. Essa não era sua primeira viagem, a menina já fizera itinerário parecido muitas outras vezes. Mas agora a viagem estava sendo tão tranquila, que o balanço do mar lhe produzia um relaxamento nunca antes sentido. De tão gostosa que estava a viagem, se pudesse, Aline até se demoraria um pouco mais nesse seu retorno. Porém, pelas mensagens repassadas por sua mãe, sabia que todos a esperavam em casa e isso era um ótimo incentivo para ela chegar logo.
— O barco está tão aconchegante, se não fosse a vontade de rever todo mundo, eu ficaria um pouquinho mais, só curtindo a viagem. Suspirou Aline.
Naquela manhã de novembro o mar mudou de humor. O barco começou a sacolejar. De início com balanços quase imperceptíveis e que depois foram aumentando mais e mais. Subitamente houve um estrondo e a menina foi sacudida em meio a um turbilhonamento d’água.
— Será que naufragamos? Pensou Aline meio assustada.
Porém, nesse instante Aline sentiu uma espécie de vácuo que a sugava para algum lugar. Foi então que a menina se deu conta do que estava acontecendo.
— Uhhhuu! Eu estou nascendo! Já havia me esquecido como funciona essa chegada. Então vamos lá. Começar tudo de novo. Apenas repassando: não posso esquecer de chorar bem forte e depois respiro fundo para que tenham certeza que cheguei bem. Fui…
— Aline está chegando! Falou a mãe no meio de uma contração mais forte.
A bolsa acabara de romper e o líquido amniótico começou a escorrer por suas pernas.
— Eu sabia! Hoje é quarto minguante! Eu tinha certeza, a lua não falha, disse a avó com convicção e alívio.