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Mar que quebra na praia não é sopa de letrinhas

Marcolino, antes mesmo de dar os primeiros passos, já desfilava toda a sua elegância na piscina da escolinha de natação. O moleque levava jeito para a coisa. Tanto é que, não demorou, inúmeras medalhas e troféus passaram a decorar a estante da sala, para orgulho da mamãe.

Foi numa manhã ensolarada de abril, enquanto a mãe embalava o lindo bebê no carrinho, bem ali na pracinha da quadra, que, do nada, surgiu uma velha vidente. Assim que bateu os olhos no Marcolino, a mulher estremeceu todo o seu corpo carcomido pelo tempo.

De início, ela se virou para ir embora, mas algo a fez voltar e, parada diante daquele carrinho, fez um prenúncio: “Afogado!”

A mãe de Marcolino, aflita com aquela única palavra, não conseguiu proferir uma sequer. Enquanto isso, a velha trepidou todo o corpo novamente, virou-se e foi embora. A pobre mulher pegou seu filho no colo e o aninhou carinhosamente no peito. Ela jurou que nada de mal iria acontecer ao seu bebê.

O menino foi crescendo, enquanto a mãe tentava dissuadi-lo de nadar. Que nada! O moleque se via a cada dia mais e mais fisgado por aquele esporte. Enquanto isso, a mãe não se atrevia a contar para ninguém o triste destino do filho.

Seria verdade? Cismada como ela só, desacreditava acreditando. Seja como for, mandava benzer todos os apetrechos do filho antes de uma competição.

Depois de passar a infância quebrando recordes atrás de recordes, o menino, mal entrou na adolescência, enjoou de nadar em raias. Talvez por conta da idade, desejou desafios mais apropriados para aquele turbilhão de hormônios. Dessa forma, mesmo a contragosto da mãe, resolveu participar de provas no mar.

Na primeira disputa, sentiu seu corpo mais leve por conta do elevado índice de sal na água. Todavia, as ondas, algumas enormes, davam-lhe vários tapas na cara. Entretanto, destemido como ele só, Marcolino, braçada a braçada, deixava seus pobres concorrentes, mesmo os mais tarimbados, bem lá pra trás.

Agora homem feito, Marcolino não sabia mais onde guardar tantos prêmios. E, num passe de mágica, deixou toda aquela vida aquática para trás. Não se sabe ao certo o que o levou a tomar tal atitude. Talvez tenha sido a bela Soraia, que acabara de conhecer. Seja como for, os dois começaram a estudar juntos para o concorrido vestibular.

Veio o vestibular, e os dois pombinhos passaram para o curso de biotecnologia. Os jovens se matricularam e, em poucos meses, lá foram para a capital paulista, onde alugaram um apartamento bem pequeno, mas muito aconchegante. A mãe de Marcolino, apesar de sentir saudade do rebento, se sentia aliviada, pois não se esquecera daquele duro prenúncio.

Pois foi na madrugada de um domingo quando o mais improvável aconteceu. Lá estava o Marcolino e a sua bela namorada estudando para a última prova do semestre. Fizeram uma saborosa sopa de legumes para dar suporte aos cérebros cada vez mais exigidos.

Quase três da madrugada, a moça desejou dormir um pouco, pois já não aguentava mais tantas informações. Precisava relaxar. Marcolino, por sua vez, decidiu dar uma última passada na matéria. Ele se despediu da amada com um breve beijo.

Não se sabe quanto tempo depois isso aconteceu, mas aconteceu, como foi noticiado nos jornais no dia seguinte. Pois bem, o Marcolino, exausto que estava, não conseguiu vencer o próprio sono e, então, adormeceu com a fuça dentro do prato de sopa, que se encontrava quase cheio.

O campeão dos mares não despertou mais. Nunca mais. A profecia da velha acabara de ser confirmada.

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