Cabelos brancos
Mara, a irmã caçula, vaidosa, vai embora antes mas deixa a última bronca
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emApesar da fragilidade física de Mara, não esperava estar aqui diante do seu caixão. Quantas histórias passamos juntas, meu Deus! Além de irmãs, éramos amigas e, melhor, confidentes.
Dois anos mais velha, consegui incutir na mente da caçula que o estudo era o modo mais eficiente de conquistar a independência. E ela se saiu muito bem, tanto é que, ainda na faculdade, conseguiu um bom emprego e foi morar sozinha. Papai, a princípio, não gostou muito da ideia, mas não tinha como cortar as asas da filha, que, já naqueles idos, almejava voos ainda mais altos.
Mara galgou cargos cada vez mais importantes e, alguns anos após, chegou à diretoria da empresa. Nessa época, meu pai gostava de comentar com todos sobre a cria vitoriosa. E ai de quem fizesse pouco caso das conquistas de Mara. Papai ficava furioso!
Não segui os passos de Mara de trocar a roça pela cidade. E, assim que me formei, retornei para a fazenda da família. E é onde continuo, fazendo as coisas que sempre amei, que é mexer com criação e plantação.
Minha irmã não retornou. Era nítido que seu caminho era outro. Ela, além de ótima profissional, sempre soube se vestir elegantemente. Ela puxou a vaidade de mamãe; eu, o desleixo do nosso pai. Isso, aliás, era motivo para Mara me dar algumas broncas.
— Lúcia, passe uma maquiagem. Olha essas unhas! Vou te levar à minha cabeleireira.
É engraçado olhar para Mara deitada nesse caixão. A danada continua linda e, para quem for bom observador, talvez perceba que ela está me lançando um olhar de desaprovação, como se quisesse me dar a derradeira bronca.
— Lúcia, como é que você me aparece no meu velório sem uma tinta nesse cabelo?
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.