Marcelo estava preso há quase um mês. Ele dividia a cela com outro policial. O seu companheiro de cativeiro era Gomes, um policial que havia sido condenado por tráfico de drogas. Não se conheciam desde então, apesar de trabalharem no mesmo órgão. Aliás, por conta da condenação, Gomes havia sido expulso da polícia, mas desfrutava as regalias de uma cela especial por conta de ter sido policial. Se fosse colocado com os presos comuns, certamente não duraria muito.
Apesar de confinado com Gomes, Marcelo não pretendia se tornar amigo dele. Não que carregasse em si o bastião da moralidade. Pelo contrário, pois sabia que, muitas vezes, o trabalho de policial o colocava na tênue linha entre a lei e a criminalidade. No entanto, não sentiu qualquer empatia pelo agora colega de quarto. Este, por sua vez, de vez em quando puxava assunto dos mais variados. Marcelo apenas observava e sorria um sorriso amarelo para manter as aparências. Ademais, Gomes lhe proporcionava um dos parcos prazeres naquele cubículo. É que ele era um especialista no preparo do café.
A lembrança de Susana o acompanhava a todo instante. Por que ele teria feito aquilo com ela? Por quê? Teria mesmo sido ele? Tudo indicava que sim, mas ele não se lembrava de nada. Havia bebido muito naquela noite, mas não tanto assim. Talvez uma dúzia de copos de cerveja, duas ou três doses de caipirinha. Não era tanta coisa assim para alguém acostumado aos efeitos do álcool. E foram raras as vezes que ele se esquecia das coisas depois de uma noite de bebedeira. E olha que Marcelo havia tido outras muito mais intensas.
Entretido nos seus pensamentos, Marcelo foi despertado pela voz rouca do colega. O braço esticado lhe oferecia uma xícara do café, cujo aroma tomou todo o ambiente. Ele pegou a xícara e a colocou entre as duas mãos. Sentiu o calor, assoprou e bebeu um pouco. Agradeceu.
Antes que pudesse terminar de beber, o policial foi interrompido pelo carcereiro, que lhe disse que havia visita. Até então, ninguém havia ido lhe ver, a não ser o advogado, que, na verdade, não lhe deu muitas esperanças. Marcelo, entretanto, pareceu não ligar muito para o próprio futuro, pois estava quase convencido de que era mesmo culpado daquilo tudo.
– Quem é?
-Dois canas.
Marcelo, em silêncio, acompanhou o carcereiro até uma salinha. Lá estavam Pedro e Gustavo, seus companheiros de seção. Os dois haviam relutado em visitar o colega. Ainda não tinham digerido aquela situação, mas algo os impulsionou até o presídio.
– Por que você não nos contou?
– Contou o quê, Pedro?
– Sobre o cara que tava saindo com a Susana?
– E o que isso tem a ver?
– Pô, Marcelo, bastava terminar com ela. Não precisava ter feito aquilo
– disse Gustavo.
Marcelo olhava para os rostos diante de si. Ele sabia que a esposa estava tendo um caso com alguém, mas não sabia quem. Na verdade, depois de tantos anos de casados, ele até achava melhor, pois também nunca havia sido um marido fiel. Ele, secretamente, também mantinha um relacionamento de quase dois anos com Mariane, uma colega de outra delegacia. Quanto ao próprio casamento, Marcelo e Susana, apesar da falta do fervor dos primeiros anos, ainda se deitavam juntos, especialmente durante as solitárias noites na capital do país.
– Gustavo, juro pra você que não me lembro de nada. Já tentei remontar aquela noite, mas tudo para justamente depois que a Susana disse que queria ir embora. Me lembro de que estávamos cansados, bebemos um pouco, mas não muito mais que de costume. Deixamos o carro lá, isso eu sei. Ela pediu um Uber. Essa é a última coisa que me lembro. Nem da gente chegando em casa me lembro. Nada. Nada mesmo! Quanto ao amante da Susana, sabia por alto. Na verdade, a gente pensou até em se separar há algum tempo. Mas o padrão de vida iria cair demais para nós dois. Além disso, a gente se dava muito bem em vários aspectos. Então, preferimos continuar.
Gustavo e Pedro escutaram atentamente a confissão do amigo. Seja como for, eles, que haviam chegado cheios de certezas, saíram dali repletos de dúvidas. Apertaram a mão de Marcelo e, calados, foram embora.
*Novo capítulo amanhã