Marcio, um humano, tinha como melhor amigo o Bonifácio, um cachorro dos mais vira-latas, muito mais pelas atitudes que pela aparência. Se alguém quisesse saber onde um estava, bastava procurar pelo outro e vice-versa. Nem unha e carne eram tão próximos.
Se o Marcio saía noite adentro à procura de uma companheira para dividir a cama, mesmo que por uma noite apenas, lá ia o Bonifácio de olho em uma cadelinha ajeitada. No entanto, apesar de tamanhas tentativas, geralmente os dois companheiros, vencidos, voltavam cabisbaixos para o lar, doce lar. Mas nada que, já no dia seguinte, não os fizesse desistir de sonhar com fêmeas das respectivas espécies.
O tempo de solteirice daqueles dois, entretanto, estava próximo ao fim. Quer dizer, apenas o do Marcio, que, finalmente, encontrou nos braços da linda Carmélia o amor eterno de Vinicius de Moraes. Quanto ao Bonifácio, apesar da sua fidelidade canina, não deixou de dar aquelas escapadelas quando a noite caía mansamente pela cidade.
Sem o companheiro para fazer dupla nas contendas tão comuns na vida noturna, Bonifácio, de vez em quando, retornava estropiado para casa. Tudo por conta de desavenças com outros cães por causa dos carinhos de uma ou outra cachorra no cio. Seja como for, Marcio tratava de cuidar daquelas feridas, enquanto dava conselhos para o amigo.
Há quase dois anos nessas idas e vindas solitárias, Bonifácio chegou à residência naquele início de manhã. Abriu o portão com a patinha ferida e foi se deitar na aconchegante almofada ali na varanda. Não tardou, Aldo, um amigo de longa data do Marcio, lá da calçada, começou a bater palmas. Ele foi atender e, em seguida, já estava todo sorriso com o conhecido. Os dois, então, tiveram o seguinte interlúdio:
— Pô, saio quase todas as noites, mas só encontro o seu cachorro, nunca te vejo.
— Bah, sou casado. O Bonifácio ainda tá solteiro.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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