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Marcio Petracco aprendeu cedo, bebendo chá para limpar cordas de violão

Se aconteceu assim, não posso afirmar, mas creio que é tão boa história, que vale a pena contá-la, independentemente de verdades e mentiras. Afinal, como tudo que ocorre na vida, esses são os temperos que a tornam mais atrativa aos ouvidos curiosos, aflitos para não perder nem uma nota sequer.

Por falar em nota, que seja um dó ou um mi, quiçá um ré ou um si, lá estávamos o meu grande amigo Marcio Petracco e eu no cachorródromo do Tesourinha, aqui em Porto Alegre, cidade que adoro como nossa adorável Brasília. Ele, famoso pelo virtuosismo musical, especialmente quando empunha a sua frenética guitarra nos palcos espalhados por este país; eu, um mero ajuntador de palavras, que, de vez em quando, consegue arrancar aquele sorriso faceiro da minha amada Dona Irene.

Segundo as críveis palavras do Marcio, ele, ainda guri de fraldas, passou por uma experiência que, certeira que nem flecha de Robin Hood, definiu seu destino. É que um notório violeiro gaúcho, de nome a ser preservado neste texto para salvaguardar a sua memória, talvez esquecida pelos displicentes de plantão, pousou na residência da família do meu companheiro de fartas prosas curiosas. Em todo caso, iremos chamá-lo de, vejamos, Telmo.

Gaúcho como tantos outros, o nosso Telmo era apreciador de chimarrão e, por conta desse hábito, gostava de carregar uma boa quantidade de erva no alforje. No entanto, o gajo também possuía um hábito que, com o passar dos anos, parece que se perdeu em algum canto: colocar as quarta, quinta e sexta cordas do violão em água quente para retirar a sujeira e deixar o som mais nítido.

E lá estavam o Telmo e os pais do Marcio agarrados numa prosa e degustando a erva especial. O músico, como de costume, retirou aquelas três cordas do violão e as deixou em infusão dentro de uma xícara. Papo vai, papo vem, ouviu-se o choro do Marcio, talvez despertado pelo frio naquele junho de 1969.

A mamãe do meu amigo, orelhas atentas que nem graxaim-do-campo, foi tomar conta da cria. A mulher tentou fazer com que a criança voltasse para o berço, mas o moleque estava mais agitado do que pianista de cabaré. Não teve jeito e, então, a dona da casa pegou o rebento no colo e voltou para continuar a prosa com o marido e a visita.

A conversa estava tão boa, que os adultos não perceberam quando o Marcio, certamente atraído pela xícara com as cordas, a derrubou sobre seu rosto. Por sorte, aquela quentura já se havia se transformado em agradável morno. Seja como for, o meu amigo acabou ingerindo boa quantidade do chá de corda e, parece, ficou inebriado por aquele sabor.

No ano seguinte, mais precisamente no aniversário de dois anos do Marcio, dia 26 de janeiro de 1970, o pirralho começou a dedilhar um violão de lata de goiabada e não parou mais. E, como ele próprio gosta de dizer, sua ligação com a música é por causa daquele chá de cordas do Telmo. Se é verdade, não posso afirmar. No entanto, é assim que as lendas são forjadas.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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