Chora...
Maria Tereza, a traição e a canção da dor (dele)
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Pegou o marido com a melhor amiga, Lígia. Não melhor amiga dele, mas dela. Imediatamente, o ódio lhe tomou todo o seu ser. No entanto, antes que explodisse em grito, o orgulho a calou. Não seria ela a dar espetáculo para que todos descobrissem aquele momento tão humilhante. Não ali no condomínio classe média, onde residia há pouco mais de dois anos.
— Altivez, Maria Tereza. Altivez!
— Mas, mamãe…
— Altivez! É isso que nos resta nessas horas. Ademais…
— Ademais, mamãe?
— Ademais, o Paulo André nunca me enganou!
— Como assim?
— Coração de mãe não se engana, minha filha.
Maria Tereza, arrasada pela dupla traição, imaginou que jamais iria perdoá-los. Não só perdoou o esposo, como também pareceu não ter mágoa de Lígia. Esta, a princípio, ficou ressabiada, mas nada como o tempo para fazê-la baixar a guarda e voltar a frequentar o apartamento da traída. Quanto ao Paulo André, não engoliu aquela situação, ainda mais porque percebeu que a esposa e a agora ex-amante pareciam ainda mais unidas.
O homem passou a ter pesadelos, acordava de madrugada suado em bicas. Olhava assustado para o lado e nada percebia a não ser Maria Tereza dormindo o sono dos livres de culpa. De tão perturbado Paulo André estava, chagava a imaginar uma auréola logo acima dos cabelos encaracolados da esposa. Não teve dúvida, havia mesmo se casado com uma santa, o que fez o sujeito se remoer ainda mais de arrependimento.
Quanto remorso! Presentes caros e até café da manhã o sujeito passou a levar para a mulher na cama. Maria Tereza, ciente da própria superioridade hierárquica naquele momento, fingia que aquela atitude do esposo fosse algo corriqueiro, o que provocava dúvida no gajo. Será que ela me perdoou de verdade? Era o que Paulo André, lâmina e creme de barbear nas mãos, se perguntava diante do espelho embaçado do banheiro enquanto ouvia a amada cantarolando debaixo do chuveiro.
“Chora, não vou ligar
Não vou ligar
Chegou a hora, vais me pagar
Pode chorar, pode chorar
É, o teu castigo
Brigou comigo, sem ter porquê
Eu vou festejar, vou festejar!
O teu sofrer, o teu penar
Você pagou com traição
A quem sempre lhe deu a mão
Você pagou com traição
A quem sempre lhe deu a mão
Mas chora”
— Não sabia que você gostava de samba, Maria Tereza.
— Paulo André, meu amor, você não sabe tantas coisas sobre mim.
— Como assim?
— Como assim o quê, Paulo André?
— O que eu não sei sobre você?
— Ih, desencana, Paulo André. A Beth é ótima, não acha?
— Beth? Que Beth?
— Beth Carvalho, Paulo André!
“Chora (Tunts, tu-dum)
Não vou ligar
Eu não, essa aqui não
Chegou a hora, vais me pagar
Pode chorar, pode chorar!
Mas chora”
— Ai!
— O que foi, Paulo André?
— Me cortei.
— Hum! Cuidado pra não sangrar até a morte, meu amor.
O homem, feições de pânico, lavou o rosto. Um pequeno corte abaixo do queixo. Tentou estancar o sangue e tratou logo de se arrumar para ir trabalhar. Ele, que nunca fora afeito ao burocrático serviço no fórum, passou a se sentir mais seguro ali.
Maria Tereza, altiva como sua mãe lhe dissera, fez questão de se despedir do marido com um tórrido beijo. Santa traição, ela pensou. Nunca imaginara que, a partir daquele deslize do Paulo André, ele passaria a ficar completamente em suas mãos.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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