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Maricota entre Orlando e Sandoval, que teme a lei

Sandoval, homem cheio de mistérios, há pouco se mudara para aquela rua, cujos buracos, de tão antigos, já eram conhecidos por todos. Dona Ruth, viúva do finado Elias, não perdia oportunidade de varrer a calçada. De tanto que a velha varria, contava-se à boca pequena que, não tardava, a mulher conseguiria preencher o vazio da cratera no asfalto bem em frente à sua casa.

Gominha, dono da única padaria por ali, vivia uma vida regrada. Diziam que guardava dinheiro debaixo do carcomido colchão, mas a verdade é que Laura, a esposa, era gastadeira das mais eficientes. Que o marido labutasse ou, então, não iria desfrutar os favores da mulher.

Por aquelas bandas também morava Orlando, homenzarrão dois por dois que metia medo por onde passava. Apesar de nunca ter lido Maquiavel, sabia se fazer mais temido e não suplicava pelo amor dos outros moradores. Ganhava a vida como segurança de boate lá pelo lado do bairro de Ponta Verde, na aprazível Maceió. Não raro, fazia bico como carregador de sacolas da dona Fátima, cuja artrite não lhe permitia com tanto peso.

Maricota, olhar faceiro, desfilava pela rua ao som de Alceu Valença. Os olhos, quase sempre voltados para Orlando, ultimamente andavam curiosos pelo mais recente morador. Tanto é que, na primeira oportunidade, justamente na sobrevida do último carnaval, enquanto o povo se divertia com os derradeiros acordes de “Morena tropicana”, a mulher se aproximou da mesa onde estava o Sandoval.

O homem, copo de cerveja numa mão, cigarro na outra, não conseguiu esconder o sorriso diante de tanta beleza. Tratou logo de se levantar e convidá-la para se sentar. Maricota sorriu de volta e, antes de repousar as generosas ancas na cadeira, jogou os longos cabelos para o lado.

Aquela conversa rendeu, tamanha a empatia mútua. Tudo indicava que haveria prorrogação naquele jogo, até que Orlando, que nem árbitro, resolveu interromper a partida. A montanha enciumada de músculos esbarrou sem cerimônia na cadeira do Sandoval, que só não veio ao chão por conta da ginga própria de capoeirista.

— Tá maluco?

Orlando respondeu com uma pancada de cima para baixo na cabeça do Sandoval, que desmaiou nos braços da Maricota. A mulher, enfurecida, xingou o agressor de todos os nomes possíveis e outros tantos improváveis. O brutamontes, sem defesa, baixou o rosto e foi chorar as mágoas no bairro ao lado.

Maricota, preocupada com o desmaiado, tratou logo de pegar um pano úmido e passar no rosto do Sandoval, que aos poucos despertou. Assim que abriu os olhos, ele não teve noção do que havia acontecido, mas gostou tanto da beleza daquela mulher, que imaginou estar no paraíso. Mas antes que prosseguisse naquele devaneio, uma forte dor no alto da cabeça o trouxe à realidade.

A mulher, que continuava enfurecida com Orlando, insistiu para que Sandoval chamasse a polícia. Este, no entanto, balançou a cabeça negativamente.

— Não vai mesmo chamar a polícia?

— Melhor não.

— Vai deixar isso barato, Sandoval?

— É o melhor a se fazer, linda. Já tenho muita encrenca com a lei.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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