Desavenças e conselhos
Marido flagrado paga cara a traição com uma nova lua-de-mel em Montevidéu

Por mais que irmãos sejam unidos, as disputas permeiam suas vidas, independentemente da idade. Há inclusive casos que provam que a rivalidade fica ainda mais acirrada na fase adulta. Talvez esse seja o caso das irmãs Amanda e Fabíola, hoje já passadas da casa dos 50.
Para entender melhor a história, preciso dizer que as duas mulheres possuem um irmão caçula, o Jean Paul, tipo temporão, pois ainda não tem 40. Mero rapazola, caso compararmos o gajo à maturidade das quase coroas. Por isso mesmo, enquanto as manas discutem, o sujeito trata de fechar o bico, o que não o impede de arregalar os enormes olhos de tom esverdeado.
Amanda, a primogênita, vive a exuberância do seu quarto casamento ao lado de Orlando, português radicado no Brasil desde o massacre promovido pelos alemães, no Mineirão, sobre a nossa outrora gloriosa Seleção. A despeito do vexame, o casal engatou um romance, ainda mais porque o então terceiro relacionamento da mulher não andava bem das pernas. Se rolou traição, ninguém comenta, já que o ex-marido, Jurandir, possuía fama de galanteador entre as funcionárias de uma agência do Banco do Brasil localizada na Asa Sul.
Fabíola, que sempre foi do tipo namoradeira, estava fadada, segundo as palavras de Alzira, a mãe, a ser a solteirona da família. Aliás, solteirona no bom sentido, como a genitora gostava de falar: ‘Essa aí não nasceu pra lavar cueca de marido.’ Tal previsão se degringolou quando a moçoila colocou os olhos sobre o belo Gustavo, dono de respeitável bigode, sempre cuidadosamente aparado diante do espelho do banheiro. Os pelos caíam solenemente na pia até que a torneira era acionada, e a água os fazia desaparecer pelo ralo.
— Amor, o que achou?
— Hum… Perfeito, meu bem!
Fabíola beijava o marido, que pegava logo cedo no consultório odontológico. Implante era sua especialidade, o que garantia o sorriso expansivo de vasta clientela na capital. A mulher, funcionária pública, só pegava no serviço à tarde.
Aconteceu numa sexta-feira, quando Fabíola quis fazer uma surpresa para o amado. Iria convidá-lo para almoçar no Caminito Parrilla, famoso restaurante argentino na 403 Norte. Mal entrou no consultório, viu uma loira abraçada a Gustavo. Teve vontade de esganar a mulher, mas conteve o ímpeto e, assim, evitou o vexame. Não obstante, não foi capaz de impedir que seus lábios se torcessem ao mesmo tempo em que lançou olhar de fúria sobre aqueles dois.
— Oi, amor, você por aqui?
— Sim. Algum problema, Gustavo?
— Problema? Nenhum. E por que haveria de ter?
— Não sei. Você quer me dizer alguma coisa?
O sujeito tentou disfarçar o desconforto e apaziguar a situação. Tratou logo de apresentar a tal loira, 35 anos, corpo estonteante e, para piorar a situação, ainda possuía uma sensual pinta no canto esquerdo sobre os lábios carnudos.
— Amor, esta é a Sônia, uma das minhas pacientes.
Fabíola trocou olhares desconfiados com a outra, que sorriu o mais lindo sorriso cheio de dentes perfeitos. Sônia, aliás, apontou para os próprios dentes e aproveitou para elogiar o excelente serviço de Gustavo.
— O Dr. Gustavo é perfeito! Olha o que ele fez na minha boca.
— Ele é perfeito mesmo.
Após alguns instantes, mal-estar instalado, Sônia se despediu e foi embora antes que o imbróglio desandasse para algo ainda mais constrangedor. E, assim que se viu sozinho com a esposa, Gustavo quis beijá-la, mas foi rispidamente afastado.
— O que foi?
— O que foi perguntou eu, Gustavo!
O Caminito Parrilla não contou com a presença ilustre do casal naquele dia. Fabíola foi trabalhar com a certeza de que o marido estava tendo um caso com aquela loira. Como era mesmo o nome da fulana? Ah, Sônia! Que ódio daquele nome! Tanto é que, mal entrou na sua sala, se deparou com a moça do cafezinho. Seu nome? Sônia. Imaginou que o café oferecido estivesse envenenado.
— Já coloquei duas gotas de adoçante como a senhora gosta.
Fabíola sorriu aquele sorriso forçado e agradeceu. No entanto, assim que essa outra Sônia deu as costas, a traída derramou o café no vaso de plantas ao lado. Ela até imaginou que o destino da bela orquídea estaria selado até o final do dia.
Ninguém pareceu notar o azedume do humor de Fabíola, talvez porque estavam empolgados com o último dia útil da semana. Ela, todavia, não tirava da mente a imagem da loira do sorriso encantador abraçada a Gustavo. Que dentes lindos que a danada possuía! Por que Gustavo nunca pensou em fazer o mesmo com os dentes da própria esposa? Ela pegou o pequeno espelho dentro da bolsa e sorriu. Hum! Nada mal, mas nem se comparava àqueles dentes alvos, grandes, alinhados, perfeitos. O ódio parecia não ter fim.
Fabíola encontrou o esposo no amplo apartamento do Sudoeste. Ele tentou abraçá-la, mas foi repelido. A mulher entrou direto para o banheiro. Tomou um banho de meia hora, como se precisasse lavar a alma. Em seguida, pegou um livro de poesias, ‘A verdade nos seres’, de Daniel Marchi, e foi para cama.
No dia seguinte, Fabíola e Gustavo foram almoçar na casa de Alzira, onde encontram Amanda, Orlando, Jean Paul e a esposa, Fernanda. A carne assada estava ótima, o que não impediu a primogênita de perceber que algo não estava bem com a irmã. Dessa forma, assim que todos se deliciaram com a sobremesa, Amanda puxou Fabíola para varanda, onde já se encontrava Jean Paul, que havia se afastado para fumar.
— Que cara é essa, Fabíola?
— Não é nada!
— Que nada o quê, mulher! Te conheço desde que você usava fraldas.
— Não é nada.
— Esse seu não é nada tá mais parecendo que é tudo.
— Ah, é o Gustavo.
— E o que tem ele?
— Ontem o peguei abraçado a uma mulher.
— Que mulher?
— Uma paciente.
— Paciente?
— É. Fui ao consultório dele e peguei os dois se abraçando.
— Hum… Bonita?
— É…
— Hum…
— Então, o que isso significa?
— Hum… Olha, se tem uma coisa que eu sei é como lidar com desavenças matrimoniais.
Jean Paul, que estava prestando atenção à conversa das irmãs, se engasgou com a fumaça e quase cuspiu o cigarro fora.
— O quê?
— O que o quê, Jean Paul?
— Amanda, e desde quando você é referência para dar conselhos matrimoniais?
— Ué, e por que não?
— Ah, Amanda! Por favor! Me poupe, se poupe e nos poupe!
Jean Paul se levantou e voltou para a sala, onde aproveitou para comer mais um pedaço da sobremesa: pudim de leite. Fabíola, apesar de concordar com a opinião do irmão, estava em mato sem cachorro e, então, preferiu ouvir a irmã mais velha, tarimbada que era após tantos matrimônios. Quanto aos conselhos de Amanda, não se sabe exatamente o que ela disse. Entretanto, parece que funcionou, pois Fabíola e o marido estão a caminho de nova lua de mel em Montevidéu.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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