Frango da discórdia
Marketing da farofa não elege nem síndico de prédio em brasa
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emPelo menos até outubro, a esperança está perdida. O Brasil definitivamente virou piada. Em lugar de manifestações de solidariedade aos vinte e tantos mortos em consequência das chuvas de São Paulo, a emoção da tarde desse domingo (30) mais uma vez ficou por conta do presidente da República. Nem uma palavra de conforto às vítimas dos desabamentos na capital paulista. Acuado, ele decidiu sobrevoar a região da tragédia 48 horas depois. Porém, a maioria do brasileiro foi obrigada a dividir com o gado subserviente um suposto marketing palaciano. Correu mundo um vídeo com a horrorosa imagem do mito comendo churrasco de frango com farofa em uma rua de Brasília. Nada mais prosaico do que um churrasquinho melado na farinha e lambuzado no molho de pimenta. Mas não é assim que um líder se mostra humilde e popular. A penosa acabou virando o franguinho da discórdia.
É preciso muito mais do que isso para recuperar popularidade e a enxurrada de votos perdidos com o emporcalhamento da nação. Para quem ainda não conhece os pontos turísticos do Rio de Janeiro ou parte dele, esse tipo de cena não é comum nem nos domingos de sol a pino na bucólica Praia de Maria Angu ou no concorrido Piscinão de Ramos. Soube que, após críticas de Antônios e Zenaides, isto é, de A a Z, o vídeo foi apagado para o bem do Brasil. Parece brincadeira, mas a seriedade com a qual escrevo me permite lembrar um zap a que fiz referência recentemente. Nele, o sambista Zeca Pagodinho era apresentado por dez entre dez brasileiros como candidato de responsa à Presidência da República.
E sabem por quê? Porque ele supostamente criaria o Bolsa Cerveja, o Vale Torresmo e o programa Meu Boteco, Minha Vida. Obviamente que Zeca presidente é uma blasfêmia. Mas qual é a diferença para o que temos hoje? Claro que a imagem farofeira foi plantada como ação populista e exclusivamente com intenções eleitoreiras. Deu errado porque o pobre do Brasil é formado por nacos de analfabetos, humildes, resilientes e crédulos, mas não burros ou sujos como faz crer a cena protagonizada pelo principal ocupante dos palácios do Planalto e da Alvorada, onde certamente não faltam exageradas porções de picanhas, filés, peitos de frango, costelinhas de cordeiro e cortes nababescos de suínos, tudo pago com os tais cartões corporativos, cujas cifras são absurdas.
A verdade é que, embora seja apenas um detalhe, a farinha escapuliu pelo espetinho do churrasquinho e acabou anojentando um presente sem passado e sem futuro. Sinceramente, não consigo alcançar a proposta do vídeo. Se é que houve, a demonstração de humildade destoou totalmente do tipo de vida levada pelo mito e por familiares. Todavia, está bem próxima do modus operandis do governo: sem eira, beira e cada vez mais enrolado na emporcalhada mesmice da política nacional. Uma lambança só. Como não ter saudades dos tempos em que o país era governado de forma séria – às vezes pouco honesta – e republicanamente limpa, pelo menos diante dos olhos crédulos dos contribuintes honrados e trabalhadores, ocasionalmente chamados de eleitor.
Pelo sim, pelo não, o que está ruim, ficou pavoroso para o homi. Do mesmo modo que ninguém mais consegue convencer vizinhos do subúrbio do Rio a virar uma laje em troca de um ou dois pratos de angu a baiana (na realidade a guloseima é tipicamente carioca), se lambuzar de farofa não elege nem síndico de prédio pegando fogo ou de comunidades invadidas pela milícia ou pelo tráfico. Imagina reelegê-lo. É preciso carisma, vocação, preparo e, sobretudo, adequação ao cargo. Banalizar a figura de uma nobre asinha de frango nas mãos de um presidente descabelado não é o que o brasileiro deseja. O povo até admite um churrasquinho de gato, mas a preferência nacional é por respeito, emprego, comida, vacina e, se não for pedir demais, um líder que governe.
Fake news enfarofadas não enganam mais nem os arrependidos antipetistas que, em 2018, votaram no primeiro contador de histórias que apareceu. De concreto, a ideia de transformar o mito em homem do povo virou um dos piores memes produzidos pelo próprio governo. Grosseira e nada coerente com a população brasileira, a suja imagem divulgada no vídeo parece denotar que a mamata está acabando. A farra com dinheiro público nas praias do litoral de São Paulo e de Santa Catarina foi trocada por dois pedacinhos de frango com farofa. Nada demais não fosse a quase certeza que ele detesta a iguaria. Resumindo, o marketing às avessas só piorou o que já estava péssimo. O eleitor merece mais respeito. Não se brinca com coisa séria. O resultado de outubro deve mostrar quem tem razão.