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Maurício, andarilho, artista nato, toca blues inspirado por uns tapas

Numa praia quase isolada no sul do país, sol a pino, ao lado da única barraca de bebidas, Maurício, de boné surrado, bermuda rasgada e pele sofrida, saca uma gaita e começa a tocar blues. A aparência é de andarilho; o talento, de artista.

O som descontraído, propício para o lugar, atrai pessoas, que formam uma roda. Entramos nela, certos de que daria mais do que uma crônica.

Entre uma música e outra, Maurício fuma e conta histórias com forte sotaque carioca e bom vernáculo:

– Já fui milionário no Rio de Janeiro. Meu pai era um joalheiro famoso.

Fez colares até para xeiques.

Dá um trago e continua, vagaroso:

– Morei no mesmo prédio da Helô Pinheiro… Tinha amizade com a Maitê Proença.

Maurício é figura conhecida no lugarejo, onde chegou há alguns anos.

– É gente muito boa quando não bebe – cochicha o dono da barraca.

Confessadamente alcóolatra e dependente químico, teve todo tipo de revés na vida. Já fora dado como morto três vezes. Em todas, ressurgiu como um Highlander, embora continue cambaleando, mesmo depois de internações em clínicas de recuperação.

– Vai um baseado aí? – ele oferece.

Digo que não curto, obrigado.

Segundo Maurício, seu pai faliu e a mãe virou garota de programa. No Rio, foi surfista e construtor de pranchas. Um dia aceitou convite de um amigo e se mudou para aquela praia, onde voltou a fazer joias.

– Mas fui explorado pelo sócio e acabei assim – diz ele, hoje sobrevivendo com refeições doadas, morando em barraca no meio da mata e dormindo sobre folhas, depois que atearam fogo em sua casa.

Maurício assegura que nos anos 80 foi amigo de Cazuza e que sempre entrava no seu camarim porque “tinha o que ele queria”.

Como se necessário fosse, logo explica, seguro de estar coberto pela prescrição:

– Nunca fui gay. Eu tinha droga.

Com pouco mais de sessenta anos, não se casou, nem teve filhos, segundo consta. Diz que ainda aguarda a mulher da sua vida, “loira e linda”. No meio da tarde, toma mais uma caipirinha, se despede e pega o rumo da barraca mata adentro.

No último dia da viagem, deixamos uma cesta com alimentos e um colchonete para o Maurício não dormir mais sobre folhas. Antes da partida, subimos com certa facilidade até o topo do morro da praia, a 130 metros de altura, de onde contemplamos a beleza encantadora do lugar.

Na volta, descendo pela trilha íngreme, escorregadia e perigosa, como a do Maurício, tivemos a certeza de que nem sempre o mais difícil é subir…

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Instagram: @certascronicas

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