Carente de sentimentos humanitários suficientes, sem estoque de vergonha e com pouca munição para combater o ódio, o mau-caratismo, a ganância, a má educação, a maledicência, a corrupção, a picaretagem, o individualismo e as críticas infundadas, o Brasil parece ter perdido de vez a guerra contra a indecência e o escracho de determinados homens públicos, entre eles a maioria dos políticos, cujas mentiras acabam sendo legitimadas pela vontade do povo. É a porta do inferno aberta para a hipocrisia daqueles que se acham no pedestal da moralidade fajuta. Ou assumimos de vez o complexo de vira-latas ou tomamos medidas positivas para conter a sanha dos que fazem da política um jogo de interesses.
Diante do que vimos assistindo na politicagem dos que nos fazem de palhaços com o objetivo de ascender ao palácio, é premente a necessidade de uma faxina. Apesar de metafórica, podemos fazer uso da bomba atômica da moral e da coragem pessoal como mecanismo contra os manuais de guerrilha coletiva, utilizados em larga escala por aquele grupo que não consegue se imaginar longe do poder e, por isso, insiste em dividir a população brasileira entre inimigos e marionetes. O esclarecimento é o caminho mais curto para expurgar os duendes nacionais e regionais que são eleitos a cada dois ou quatro anos. Aliás, faço minha uma frase do anedotário do Parlamento, cuja autoria desconheço: “Político é igual fantasma. Só doido acredita neles!”
O primeiro passo para recuperarmos a loucura da verdade tem de ser a consciência de que, com a incontestável segurança da urna eletrônica, o nosso título de eleitor é muito mais letal para os políticos demagogos e mentirosos do que um bala de canhão. Chegamos ao cúmulo de nos acostumarmos com a máxima de que a verdadeira face da verdade humana é uma mentira deslavada. Por exemplo, no contexto de epidemia de dengue, é comum assistirmos pessoas supostamente cultas jogando lixo em terrenos baldios. A tese para esse absurdo é simples: é melhor culpar o governador ou o prefeito do que eu fazer minha parte. Por culpa de imbecilidades como essa, morremos todos.
E o que dizer da banalização da morte? Em nome da memória de um colega e da busca de criminosos, policiais militares de São Paulo já mataram dezenas de pessoas na Baixada Santista. Seriam todos bandidos? Para os matadores, sim. Na Capital do país, um rapaz comum e em surto documentado de esquizofrenia foi morto com quatro tiros. Em vez de imobilizá-lo, os PMs e bombeiros preferiram matá-lo. Menos um para dar trabalho. Em suma, direito inalienável, a proteção do cidadão deixou de ser dever do Estado. É a Lei de Gerson: cada um por si e as polícias militares matando todos nós. Pior de tudo é a cara de pau de autoridades e de pessoas que deveriam participar do bom combate, mas, de forma cristalina, preferem se abster ou, o que é pior, se locupletar.
São aqueles que, mesmo diante de obviedades, fazem cara de mercador ou de gaiato no navio quando os fatos unem na mesma pocilga articuladores, estimuladores, financiadores e seguranças de um golpe que só não ocorreu por causa do amadorismo de seus protagonistas. É mentirosa a afirmação de que estivemos próximos de um suposto golpe. Suposto uma ova. A força de meia dúzia que ainda têm cérebro impediu o levante. Também vale ressaltar que a gritaria em torno da fala de Lula sobre os judeus é apenas uma histeria de “patriotas” atolados na lama. Eles sequer colocaram o pescoço para fora da latrina quando o então presidente dos sonhos de todos eles recebeu a deputada Beatrix von Storch, representante da extrema-direita da Alemanha e neta de um antigo serviçal de Adolf Hitler. A hora de passar o Brasil a limpo é agora. Dois provérbios atribuídos ao filósofo e orador romano Cícero são lapidares para a quadra em que vivemos: A verdade vence tudo e Antes tarde do que nunca.
*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras