Fabiana Cambricoli
Eliane Ferreira Santiago, de 37 anos, convive desde criança com dores fortes em todo o corpo e uma fadiga crônica. Foi em diversos médicos e conta que fez, em diferentes faixas etárias, vários exames. Os médicos de planos de saúde brasileiros já pedem mais exames de tomografia e ressonância do que profissionais de países desenvolvidos, segundo dados inéditos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O número desses procedimentos por pacientes de convênios médicos no País cresceu 22% em apenas dois anos, o que, segundo a ANS e especialistas, indica que muitas solicitações podem estar sendo feitas indevidamente. Entre as principais razões para a realização excessiva dos procedimentos estão falhas na formação médica, interesses financeiros de hospitais e laboratórios e má remuneração por parte das operadoras aos prestadores de serviço. O fenômeno, além de aumentar o desperdício de recursos no sistema privado, ainda traz riscos aos pacientes, como a exposição frequente a radiações comuns em exames de imagem.
A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são usadas como referência pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar o acesso aos recursos de saúde na área de tecnologia médica. Enquanto nessas 35 nações – incluindo algumas das mais desenvolvidas do mundo, como Alemanha, França e Estados Unidos -, a média anual de ressonâncias é de 52 por 1 mil habitantes, no sistema suplementar brasileiro o índice foi de 149 por 1 mil beneficiários em 2016, segundo o mais recente Mapa Assistencial da Saúde Suplementar da ANS, que será publicado nesta semana.
A média de tomografias realizadas também é superior nos planos de saúde do Brasil em 2016 em comparação com países ricos: 120 exames por 1 mil habitantes nas nações da OCDE ante 149 por 1 mil beneficiários dos convênios médicos brasileiros.
Considerando os números absolutos, o número de ressonâncias feitas por pacientes de convênios passou de 5,7 milhões em 2014 para 7 milhões em 2016, alta de 22%. Já o de tomografias passou de 5,9 milhões para 7 milhões no mesmo período, crescimento de 18%. Mesmo se avaliados todos os tipos de exames feitos por beneficiários de planos, houve aumento de 12% no número de procedimentos entre 2014 e 2016.
Desperdício – Para Karla Coelho, diretora de normas e habilitação de produtos da ANS, a diferença entre os índices do Brasil e de outros países traz um alerta. “É um desperdício de recursos. Enquanto os prestadores de serviço, como hospitais e laboratórios, forem pagos por procedimento e não por qualidade, o número de exames será infinito”, diz ela.
Já o professor da Faculdade de Medicina da USP Mario Scheffer destaca que “os convênios não trabalham tanto com prevenção e promoção de saúde, ficam focados na atenção especializada e, muitas vezes, ainda pressionam os médicos a fazerem atendimentos rápidos para que seja possível atender mais pacientes no mesmo dia”. “Assim, o tempo que deveria ser gasto com anamnese e conversa com o paciente é substituído pela indicação de exame.”
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha ressalta que, além da questão da baixa remuneração pelos planos de saúde, as falhas na formação médica podem estar contribuindo para esse cenário de dependência do uso de tecnologia nos diagnósticos. “O médico que não tem competência suficiente para uma avaliação clínica vai tentar compensar com pedidos de exames.”
Exemplo – Eliane foi diagnosticada com reumatismo, mas as dores nunca passavam. “Há uns dez anos, comecei a pesquisar por conta própria e vi que tinha todos os sintomas de fibromialgia. Procurei um médico e depois disso é que ele conseguiu me diagnosticar”, diz. Hoje, criou até um grupo sobre a doença nas redes sociais. “Quase todo mundo com a síndrome demorou anos para descobrir porque os médicos não prestam atenção aos sintomas que o paciente descreve. É uma negligência que traz sofrimento.”