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Entrevista/Thaís Alves

Memórias de filha de pioneira sobre chegada da telinha

Publicado

Autor/Imagem:
Leyberson Pedrosa e Luiz Claudio Ferreira

Os estúdios de televisão eram como um quintal de casa para Thais Alves, quando criança. Filha da atriz Vida Alves (1928 – 2017) e do engenheiro italiano Gianni Gasparinetti (1949-1978), Thaís acostumou-se a ser rodeada pelos artistas brasileiros pioneiros da TV, muitos que já eram estrelas de radionovelas.

Hoje, por causa de um projeto implementado pela mãe, a Pró-TV (antiga Associação dos Pioneiros da Televisão Brasileira), busca preservar a memória da radiodifusão nacional e reestruturar o museu que mantinha vivas as relíquias daquele tempo de ouro da dramaturgia.

Nesta entrevista, a consultora em comunicação, de 66 anos, que vive em São Paulo, lembra da convivência com a mãe e explica os desafios para não deixar morrer essa história que completa 70 anos.

Podemos dizer que você nasceu dentro da TV?

Eu cresci nos corredores da TV Tupi, conhecendo os pioneiros de perto. Minha mãe era Vida Alves, que tinha formação em Direito. Parece que ela foi exercer a profissão depois que já era atriz da rádio de São Paulo. Aí veio a televisão e ela migrou para a TV .Ali, conheceu o meu pai, Gianni Gasparinetti, que veio da Itália para ajudar na na montagem técnica da televisão. E eles trabalhavam muito. Por isso, realmente eu ia na cestinha com a minha mãe e todo mundo me pegava no colo lá. Para mim, a TV era o quintal da minha casa e era muito divertido.

Essa primeira década da TV tem um toque especial por causa do pioneirismo?

Essa década foi feita de ousadia. Juntam a inovação e o prazer de fazer. Essa primeira leva dos pioneiros realmente eram especiais.Eles tinham todo esse pessoal, a Vida, o Lima [Duarte], a Laura [Cardoso], o Dionísio Azevedo. Eles tinham ousadia até porque não tinham a informação de como fazer. Eles eram ousados e, se você ousa, você não tem medo e quando você não tem medo…

Afinal, quem foram estes pioneiros?

Na inauguração, minha mãe tinha uns 22 anos e meu pai pouco mais de 30. Os pioneiros estavam todos nessa faixa de 20 e poucos anos e todos vieram do rádio. O Chatô [empresário Assis Chateaubriand] não colocou um anúncio ‘precisa-se de atores e técnicos’. Foi todo o pessoal que já estava no rádio. Nem os atores nem os técnicos sabiam o que iriam fazer. Tanto é que o Lima Duarte era sonoplasta na rádio e ele me contou que um diretor falou pra ele: imagina você ser ator, você tem voz de sovaco. E olha só, com “essa voz de sovaco” ele se tornou esse grande mestre da teledramaturgia.

Seus pais demonstravam algum clima de temor de que a TV substituiria a Rádio?

Quando eu tinha 20 anos, achava que tudo era muito fácil. Tenho a impressão que, com eles, aconteceu a mesma coisa. Eles nunca demonstraram essa preocupação. Mas contavam os erros, que era tudo ao vivo.

Pode-se dizer que os pioneiros eram mais eruditos?

Eles acabaram popularizando peças de teatro, grandes espetáculos para pessoas que jamais teriam condição de chegar perto. Nesse sentido, era uma televisão mais preocupada com esse padrão cultural e tem a ver com a evolução dos tempos.

Como você avalia o papel da sua mãe Vida Alves nisso tudo?

Os trabalhos que minha mãe fez em televisão sempre foram pioneiros tanto é que ela deu o primeiro beijo na televisão. Ela também fazia um programa interativo, ao vivo, que tinha dois finais. Chamava-se Tribunal do Coração e tinha um júri de pessoas que, dependendo do que o júri decidir, culpada ou inocente, já tinha um final preparado para cada ocasião.

Por que a Vida Alves não estava no primeiro dia da TV?

Ela estava grávida do meu irmão. E estava com um barrigão que foi considerado deselegante. Um exemplo da visão da época é que o primeiro beijo (em cena com o ator Walter Forster) não foi fotografado porque o fotógrafo que acompanhava entendeu que não se poderia registrar aquele momento. Havia tabu com isso naquela época. Veja que não temos registro do beijo por causa desse senso moral. Vida Alves também protagonizou o primeiro beijo em outra mulher (em cena com a a atriz Geórgia Gomide).

Você tinha essa noção de que sua mãe era uma pessoa à frente do tempo dela?

Ela era uma mãe normal. É claro que eu mais madura enxergo minha mãe assim. Hoje eu vejo o pioneirismo dela. Olha, ela fez o primeiro programa de temas femininos, que ia ao ar à meia-noite e tratava temas considerados tabus para a época, como questões de sexualidade. Imagina isso tanto tempo atrás. Desde o começo, eles tiveram postura de vanguarda. Eu me lembro de uma mãe de uma colega minha na escola. Eu devia ter uns seis ou sete anos de idade. Eu semelhante escutei a mãe da minha amiguinha falando com ela para não brinca comigo porque eu era filha de artista.

Os pioneiros se preocupavam com a audiência? [ O Ibope surge em 1954].

Eu sentia que eles faziam pelo prazer de fazer tanto que eu fui trabalhar na TV Tupi quando tinha uns 14 anos, claro que foi a minha mãe que me colocou lá, e eu fui trabalhar no departamento que cuidava do Ibope. Não era uma coisa que ecoava pelos corredores dos artistas.

Era uma televisão para poucos?

Na época, era famoso o ‘televizinho’, que alguém compra uma televisão e todos os vizinhos iam assistir. No meu caso, não era forte porque meu pai começou a trabalhar com televisão. Então lembro que a casa que a gente morava tinha um porão e lá era oficina dele. Para mim era comum porque era a mãe trabalhando lá na frente das câmeras ou era o pai primeiro consertando e depois montando as suas próprias televisões. Eles eram muito iguais. Não tinham tinham grandes estrelas. Então, eles eram um time. Isso é legal.

Como surgiu a associação dos pioneiros da televisão?

Minha mãe ficou afastada da televisão e, com o passar do tempo, ela falou: ‘puxa vida, o que que vai acontecer com a história da televisão?’ Foi aí que ela criou o Pró-TV [antes chamado Apite] para guardar a memória. Ela começou a gravar Dias Gomes, a gravar esses pioneiros que, infelizmente, quase todos já se foram. Mas minha mãe ficou doente há cinco anos atrás eu assumi a Pró-TV a pedido dela. [Vida Alves faleceu em 2017].

E como está a situação atual do museu criado por sua mãe?

Nesses cinco anos prá cá eu não consegui achar recursos ou órgãos públicos que ajudem a manter o acervo. Manter um acervo de peças antigas é um sofrimento. Antes, o Pró-TV era em uma casa enorme, na casa da Vida, com dois andares, espaço imenso, cabiam 200 pessoas no salão. Com o falecimento da minha mãe, a casa foi vendida e o museu ficou desalojado. A gente arrumou um espaço no centro de São Paulo, armazenamos tudo.

E qual é a alternativa para manter essa memória viva?

A gente está fazendo uma vaquinha virtual para pedir apoio. Cada emissora tem seus próprios centros de documentação e problemas para gerir e ainda ajudar uma associação. Então, a gente está no momento sem saber o que fazer. Eu não tenho mais como manter a estrutura porque tinha funcionário, tem luz, internet, tem vários custos. Então, ou a gente parte para uma ajuda mesmo ou eu não sei mais o que fazer.

Como você entende o improviso daqueles tempos com o improviso atual diante de um cenário de pandemia, com menos acesso a estúdio e externas?

Acho muito interessante isso porque a gente tá aprendendo a fazer, a se reinventar. Estão se recriando inclusive no formato da internet né. Eu acho que a TV tem que aprender com esse com essa linguagem

Como fica a memória desse tempo em que gravar a programação não era bem a opção?

Verdade. Quase tudo que podia ter sido gravado sumiu ou, infelizmente, o fogo destruiu. As emissoras também não tinham fitas em quantidade, então pegavam as já usadas e gravavam de novo.

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