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Subserviência vil

Mendonça perde credibilidade como empregado mimado que bajula chefe

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto Marcello Casal Jr/ABr

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Pelo menos deveria ser. Misturar alhos com bugalhos normalmente gera coisas que cheiram mal. A similaridade com a metáfora é a mistura da toga com ideologia, partidarismo ou gratidão eterna. Ser indicado por esse ou aquele presidente da República para uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal não deve ser sinônimo de tentar mudar o que está posto na Corte apenas para agradar temporariamente o “mestre”. Não deveria ser, mas é.

De líderes de governo à subserviência em determinadas votações, muitos dos homens de capa preta já tiveram um pouco. Desnecessário, pois mesmo os leigos são capazes de entender que ninguém alcança um dos assentos da Suprema Corte sem um mínimo de conhecimento jurídico. Na verdade, está escrito na Constituição, em seu artigo 101, que um dos requisitos é o notável saber jurídico. Os outros são a idade mínima de 35 anos e máxima de 70 anos e reputação ilibada, isto é idoneidade moral.

Conheço casos em que o máximo saber jurídico até hoje é duvidoso. Melhor dizendo, é questionado. O pior e mais grave é imaginar que, no mundo moderno e globalizado, ainda haja a possibilidade de votos bajuladores ou atrelados à indicação. A gratidão até pode ser eterna, mas nunca vinculada a decisões envolvendo o padrinho político. O Estado, o Direito e, principalmente, a sociedade merecem consideração. Me valendo das quase duas décadas de atuação junto à cúpula do Poder Judiciário, às vezes não acredito que isso ocorra, mas ocorre.

Contrariando a maioria do Supremo Tribunal, esta semana o ministro André Mendonça votou para tentar impedir os colegas Alexandre de Moraes e Flávio Dino de atuarem no julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus principais colaboradores. Não conseguiu. Não faço juízo de valor, mas como não entender a decisão como bajulação ao ex-chefe, principalmente porque, no momento do voto, Mendonça já estava derrotado. Ele tinha o direito de se abster, mas, por razões que a própria razão desconhece, preferiu mais uma vez agradecer a indicação.

É do jogo político da instância maior do Poder Judiciário ser voz destoante. Aposentado, o ministro Marco Aurélio foi um desses enquanto ocupou uma das 11 cadeiras do Pleno do STF. Marcou posição sendo contra quase tudo. O perfil continua o mesmo. A diferença é que, a exemplo de outros magistrados em passado recente, ele nunca agiu como líder de governante algum e normalmente agia em favor de causas públicas, nunca pessoais. Por diversas vezes ouvi de antigos chefes que, mais do que conhecimento, é preciso coragem para se acomodar em um dos poderosos assentos do Supremo Tribunal.

Alegar que, como vítima, Alexandre de Moraes não pode permanecer como relator da denúncia da Procuradoria-Geral é o mesmo que afirmar que o cozinheiro não pode provar da comida que faz. Será que a partir dessa tese a mãe que gera um filho não pode mais embalá-lo? Querer afastar Flávio Dino sob a alegação de que ele é autor de uma ação pretérita contra Bolsonaro significa dizer que ex-jogador do Flamengo não deve vestir a camisa do Vasco ou do Palmeiras. Enfim, os bajuladores raramente são sinceros. Eles são capazes de elogiar até mesmo pessoas que detestam. Pela língua se conhece o bajulador, mas seu coração vive resmungando longe de seus ídolos.

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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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