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Enem

Meninas, desculpem, mas rapazes dão banho nas provas

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Renata Cafardo e Luiz Fernando Toledo

Mais de 70% dos estudantes que tiraram as mil maiores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são meninos. No entanto, as meninas são maioria entre os candidatos. Dados tabulados mostram ainda que o total de jovens do sexo masculino se sai melhor nas quatro áreas cobradas pela mais importante avaliação do País. A maior diferença está nos exames de Matemática e Ciências da Natureza.

Os resultados indicam também disparidade de desempenho entre as raças. Garotas negras (pretas e pardas), que são a maior parte dos inscritos no Enem, representam só 6% das notas mais altas. O meninos brancos são quase 50% dessa “elite” da prova e 15% dos candidatos.

Os números são de 2016 e se referem à parte objetiva do exame, que inclui ainda Ciências Humanas e Linguagens. As notas gerais de 2017 – que não permitem esse detalhamento – devem ser divulgadas na quinta-feira. O total considerado é de 4,8 milhões de candidatos. Foram excluídos os treineiros e os que tiveram nota zero em alguma área. O Estado checou também os mil melhores dos dois anos anteriores do Enem e o padrão se repete.

Esse grupo tem perfil semelhante. As idades variam entre 17 e 19 anos, a maioria estudou em escolas particulares e possui renda familiar acima de R$ 10 mil. Todos tiraram nota maior que 781,68, em uma escala que vai de 0 a 1.000. “Seria de se esperar que pelo menos no grupo dos mil, extremamente selecionado, as diferenças diminuíssem. E as 500 melhores meninas se equiparassem aos melhores 500 meninos”, diz a presidente do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz.

A análise das notas do grupo todo que fez o Enem mostra que mesmo entre os brancos há diferença de desempenho. Em Matemática, a nota de meninos brancos é 52 pontos maior que a de meninas brancas. Com relação às negras, são 81 pontos. Os jovens negros também têm desempenho melhor em Matemática e em Ciências da Natureza do que as brancas e as negras.

Independentemente da raça, homens têm nota 41,8 pontos superior às mulheres em Matemática e 24,3 em Ciências da Natureza, que inclui Física, Química e Biologia. Como a média do Enem é de 500 pontos, a quantidade é considerada significativa por estatísticos. Em Ciências Humanas há diferença de 21,6 pontos no geral, mas o desempenho das meninas é puxado para baixo pelas negras, já que as brancas têm até nota mais alta do que os homens negros. O padrão de notas mais altas dos homens se repete no Enem de 2014 e 2015.

Segundo educadores e pesquisadores ouvidos pelo Estado, fatores sociais e culturais explicam o pior desempenho das mulheres especialmente em Matemática e Ciências da Natureza. “O que se espera, nas famílias e nas escolas, é que as meninas sejam melhores em se comunicar, em se expressar, e não que elas se saiam bem em Matemática. Essa expectativa sobre elas e delas mesmas influencia muito na aprendizagem”, afirma Priscila.

“A explicação não deve ser buscada na Biologia, embora cérebros de homens e mulheres não sejam iguais. Mas isso não afeta a cognição, em áreas do raciocínio lógico, muito menos na inteligência”, diz o professor titular de neurociência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Lent. Para ele, o que mais influencia são as posições da família e os estereótipos da sociedade.

Os resultados do Pisa, maior exame internacional do mundo, feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostram que a disparidade nas notas é comum também em outros países. A prova avalia estudantes de 15 anos em cerca de 70 países. Meninos se saem melhor do que meninas em exames de Matemática e Ciências na maioria deles.

O Pisa pesquisa a questão de gênero na educação com questionários aos alunos. Relatórios recentes mostram que as meninas dizem confiar pouco em suas habilidades em Matemática e se sentir menos motivadas a estudar a área. Nos países em que há grande diferença de nota em Ciência, as garotas também se acham menos eficientes.

Outro estudo, feito em 2017 pela consultoria Mackinsey, usando dados do Pisa, demonstrou que estudantes mais motivados têm nota 18% mais alta em Ciência do que os não motivados. Fatores ligados à atitude e à mentalidade do aluno, conclui a pesquisa, afetam mais seu desempenho do que a origem socioeconômica.

Ao questionar os pais dos estudantes, o Pisa também constatou que eles têm mais expectativa com relação aos filhos do que em relação às filhas para que trabalhem em áreas como Matemática, Tecnologia e Engenharia. “Até em países onde meninos e meninas têm uma performance semelhante em Ciência, a quantidade de meninas que veem a área como uma oportunidade de vida é significantemente inferior que a de meninos. Existe uma ligação emocional e social”, disse ao Estado o diretor do Pisa, Andreas Schleicher.

No entanto, países como Finlândia, Suécia, Rússia e Estados Unidos não apresentam mais as diferenças de desempenho em Matemática entre meninos e meninas que ocorriam no começo dos anos 2000. Segundo Schleicher, isso aconteceu porque essas nações deram atenção à questão da desigualdade e passaram a oferecer programas especiais para as meninas nessas áreas.

O Brasil é um dos países em que há mais diferença entre gêneros no desempenho de Matemática no Pisa. Para a secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, a nova base curricular aprovada no País pode ajudar. “Se você tiver um currículo mais instigante, que desperte o espírito investigativo e a resolução de problemas, as meninas podem ter mais interesse pela Matemática e pela Ciência.”

Brinquedos – “A escola brasileira produz desigualdades. Ela acolhe o padrão de desigualdade e ainda tem o efeito perverso de entregar, no fim da educação básica, com mais desigualdade ainda”, diz o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. Estudos brasileiros mostram que a diferença nas notas entre os gêneros é menor nos primeiros anos do ensino fundamental e vai aumentando. A entidade financia projetos que estimulem meninas a se envolver com Exatas.

Para Henriques, os estereótipos também são produzidos em casa. “Vai desde a primeira infância, com jogos e brincadeiras diferentes para meninos e meninas, que inibem a performance das jovens.” Brinquedos como blocos de montar e jogos de raciocínio acabam sendo mais direcionados aos meninos, enquanto as meninas ficam com as bonecas.

Essas e outras atitudes sutis, dizem especialistas, acabam estimulando ou não as meninas. “Professores sugerem que alunas não entendem algo porque são mulheres. Um comentário desse pode causar desistência de seguir na área”, diz a doutoranda do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP) Bruna Cassol dos Santos, de 27 anos. A pesquisadora se interessou pelas contas ao ver o pai agricultor calcular sacos de milho na sua infância no Rio Grande do Sul. Mais tarde, uma professora de Matemática a inspirou. “Era uma mulher inteligente e falava para eu não desanimar.”

Luana Cattan, de 18 anos, apaixonou-se pela Química também por causa de um professor, que mostrou a disciplina “mais próxima do cotidiano”. Ela é uma das meninas que estão na lista dos melhores do Enem, na 321.ª posição. “Na minha casa, pude escolher a área que quisesse. E me esforçar”, conta ela, que cursa Engenharia Química na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“As meninas têm a mesma capacidade, falta incentivo. Ficam dizendo que os homens têm de ser engenheiros”, diz Felipe Mourad Pereira, de 18 anos, que teve a segunda melhor nota em Matemática do Enem: 990,50. Hoje ele estuda no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e reclama que só 10% da turma é feminina. “É ruim porque a convivência no mundo não é assim. E a faculdade, além do ensino, tem de propiciar outras coisas.”

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