Guerreiras olímpicas
Meninas do Brasil fazem bailarinos do futebol gemer sem sentir dor
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Na Olimpíada das mulheres, nada mais justo do que lembrar das ideias e frases da francesa Simone de Beauvoir. Em uma delas, a feminista, escritora, filósofa, ativista política e intelectual reduziu a pó os machistas assumidos e, principalmente, os imbecis enrustidos: “Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade”. Sem medo de mostrar minha face oculta, também diria que é dever do homem com H tornar o mundo melhor para as mulheres. Elas são uma obra de arte. Por isso, é preciso saber entender que não devemos tentar entendê-las de uma vez.
Recordista em feminicídios, no Brasil está muito longe disso. Como homem brasileiro, confesso meio decepcionado que não estamos conseguindo. Nossas moças e mocinhas varonis, negras e pobres estão dando um show de competência e de alegria na introvertida Paris de nossos dias. Debaixo da Torre Eiffel há uma faixa simbólica com a expressiva mensagem: O Brasil é das mulheres. Alguém duvida? Eu não! Por isso, informo que, desde que seja para se orgulhar publicamente do feito das guerreiras do futebol olímpico, os craques das unhas pintadas e dos cabelinhos, sobrancelhas e pelos pubianos multicoloridos estão liberados para participar do desfile em homenagem às mulheres olímpicas.
Sem frescura, ostentação e cachês milionários de multinacionais da beleza, nossas atletas são responsáveis por dez das 14 medalhas ganhas até agora na capital francesa. Não é nada, não é nada, mas a façanha da mulherada botou as estrelinhas dos penteados esvoaçantes e do salto alto para gemer sem sentir dor. Na literatura de cordel, a expressão acima significa que em todo momento e em todo lugar há sempre uma mulher motivando os acontecimentos. Maioria da delegação olímpica, as cerca de 170 meninas do Brasil ditaram o ritmo em 39 das 45 modalidades esportivas e mostraram ao mundo que não estão para brincadeira.
São delas as duas medalhas de ouro conquistadas até agora. As gurias do vôlei de quadra e de praia devem ser as próximas a subir no pódio mais alto das Olimpíadas de 2024. Vencendo, elas se juntarão às rainhas Rebeca Andrade e Beatriz Souza, maiorais da ginástica de solo e do judô até 78 kg. Entre uma rabada nas ondas, uma tripla virada de cambota, algumas manotas à esquerda, várias coisadas à direita, balangadas na piscina, mixideza com as pernas nos tablados, xuxadas nas redes, golpes na espinhela alheia e catadas de cavaco nas pistas de atletismo, nossas moçoilas nos brindaram com pódios que os machos não frequentam faz alguns anos.
Apesar do sucesso parisiense, o barco feminino ainda navega sobre águas turvas e infestadas de tubarões cegos e desdentados, mas loucos pelas sardinhas e cavalinhas que ainda conseguem alcançar com o olfato fedido e de cultura tóxica. Digo ainda por que a hegemonia de nossas meninas nos Jogos Olímpicos de Paris é um sinal cristalino de que as coisas tendem a mudar a curto e médio prazos. E as mudanças não devem ocorrer somente no campo do esporte. Considerada um câncer em estágio terminal, a política deve ser o primeiro alvo da sociedade progressista, antimachista e antibolsonarista.
A exemplo dos pelegos, ultrapassados e atarantados dirigentes desportivos do país, os políticos caquéticos, corruptos, aventureiros e oportunistas estão com os dias contados. Eles deverão se juntar aos vaidosos, exibicionistas e azedos jogadores de futebol, hoje mais para bailarinos do ballet salto alto com brinco e lantejoulas. Sem vocação para mentecapto ou basbaque, sou do tipo que ainda vê a mulher como a melhor invenção de Deus e que prefere caipirinha à sangria, pão sovado ao croissant e salsichão ao chucrute. Aproveitando a deixa francesa Liberté, égalité, fraternité, uso minha liberdade para ser quem eu quiser. Eis a razão pela qual defendo a igualdade e a fraternidade como um prato de feijão com arroz e ovo. Abaixo os opressores! Rebeca Andrade para presidente e Beatriz Souza para vice. Fiquemos tranquilos, pois Kamala Harris ensinará as duas como exorcizar mitos, demônios e homens primatas.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras