A farsa
Mentira sobre fraude que quase virou verdade acabou no Irajá
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emFrase original do pintor e litógrafo francês Henri Marie Raymond de Toulouse-Lautrec Mentira tem perna curta também é uma antiga canção de Tião Carreiro e Pardinho. No fim do século XIX, Lautrec era famoso pelas histórias generosas que contava sobre si mesmo. Boêmio contumaz, dizem que seu talento para mentira era tão grande como sua vocação artística. O folclore sobre sua vida é tão surreal que, ao ter a morte anunciada aos 36 anos, o parisiense pensou que fosse mais uma das lorotas do artista. A informação era verdadeira. Na música da dupla caipira (não confundir com sertanejo), o primeiro conjunto de versos da composição remete a pelo menos dois dos maiores engodos políticos dos últimos anos no Brasil. “Mentira tem pena curta, pra longe ela não vai. A verdade quando chega, mentira voando sai”. A tapeação inicial ocorreu com a eleição de um presidente que não consegue cumprir uma linha do que prometeu.
A segunda, muito mais grave, foi tentar ludibriar parte do eleitorado com discursos de fraudes no sistema eletrônico de votação. Digo parte porque a maioria esmagadora dos eleitores faz tempo está convencida da lisura e da segurança do processo. Desde o início, o criador da tese de suposta falcatrua na urna não conseguiu eco para golpear a eleição, a nação, muito menos o povo. Mesmo assim, a mentira incomodou os que jamais desacreditaram da maquinha de votar, entre eles políticos, magistrados, técnicos em informática e, sobretudo, aqueles que participaram da criação, evolução e consolidação do equipamento. Descoberta a farsa da fraude, o próprio mentor da ardilosa história foi “obrigado” a reconhecer a inviolabilidade da urna. O argumento foi a inclusão das Forças Armadas no processo de fiscalização, que sempre esteve à disposição de qualquer segmento da República, inclusive das Forças Armadas. Se não fiscalizaram até agora foi por absoluta falta de vontade.
O presidente mentiu, a mentira acabou descoberta e faltou humildade para reunir apoiadores e seguidores fanáticos para reconhecer a falha ou a forma equivocada de se conseguir votos por meio de tramoias insustentáveis. O fato é que mentira é sempre a pior escolha. Afinal, quando somos descobertos, perdemos todos os créditos que ganhamos na vida. Filosoficamente, uma mentira é a porta de saída que se fecha sem possibilidade de retorno. Não existe chave que abra uma confiança perdida. É muito mais fácil desacreditar alguma coisa do que aceitar um fiasco pessoal. Pois é justamente o que acontece com políticos que perdem a eleição, não admitem a derrota e passam a entoar o mantra do roubo, da injustiça eleitoral. São eles os maiores adversários do voto digital. Essa máxima também se aplica a candidatos que anteveem a derrota. Foi esse o mote principal da farsa da fraude na urna eletrônica. Triste, mas verdadeiro.
Para mim e para milhões de brasileiros que votam com consciência, não há dúvida de que a Justiça Eleitoral, seus magistrados e técnicos merecem confiança e respeito. Também não há dúvida de que o Brasil carece de nomes capazes de representar sua totalidade. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais faz algumas décadas não voto para presidente da República. As razões são exclusivamente de foro íntimo, mas todas com fulcro (eita palavra sem vergonha) no imaginário realista de um cidadão que envelheceu cismado em encontrar respostas para o sonho primitivo de alguém que mata e morre por uma função sabidamente complicada, ruim e cansativa. Posso ser acusado de tudo, mas o tempo e os eleitos têm colaborado com as cismas e confirmado minhas rusgas internas. Aí vem a pergunta que não cala no inconsciente de milhões de brasileiros. Quando o Brasil terá um presidente capaz de ser chamado de seu por todos os eleitores?
Difícil, mas não improvável. Por isso, venho confabulando comigo mesmo e estou conseguindo avanços reais nessa tentativa de finalmente usar a urna eletrônica para votar conscientemente em um candidato ao Palácio do Planalto. Pode parecer estranho essa história estar sendo contada por um cidadão que durante alguns anos participou das entranhas da Justiça Eleitoral. Tenho de ser mais claro e afirmar que nunca questionei a lisura ou a segurança do processo eletrônico de votação. Jamais faria isso. Meu problema é com os votados e com a falta de explicação coerente para a necessidade de perpetuação. Se é ruim, como disse recentemente o atual mandatário, por que não largar o osso após cumprir o mandato para o qual foi escolhido? Por que correr o risco de passar para a história do país como Judas?
Em tempo, voltei a pensar em utilizar o título de eleitor como minha principal arma de mudança faz um ou dois meses, depois de rever, no supermercado, o amigo Zé do TSE (basta Zé). Ninja dos bastidores tecnológicos do TSE e ícone no trabalho de sustentação da segurança do sistema eletrônico de votação, foi ele quem, lá atrás, no fim dos anos 90, me deu a primeira informação de que a marreta seria a única forma de violar a urna com seus 25 sistemas e mais de 15 milhões de linhas de programação. Nesse reencontro, Zé manteve a confiança, dando-me a certeza de que não há hipótese de que picaretas sem lastro ou corte possam fraudar a maquinha de fazer presidentes, governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores. E já faz 25 anos que a urna eletrônica realiza sonhos de candidatos que ainda não consegui chamar de meus. Sobre a farsa da fraude, quem diria, acabou no Irajá.