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Pepinos e peçonhas

Merreca pode transformar sonho de Lewandowski em pesadelo

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto de Arquivo

Vaidade aos 20, 30 anos e em início de carreira até eu que sou besta já tive. Agora, vaidade aos 75 anos, com a carreira concluída, emprego garantido em qualquer banca de advogados de ponta do país me parece exagerada. Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, onde ficou por 17 anos disputando espaço com as estrelas da Corte, Ricardo Lewandowski foi convidado e aceitou o lugar de Flávio Dino no Ministério da Justiça e Segurança Pública, uma das pastas mais polêmicas do governo. E, ao que parece, o indicado não entende nada do riscado. Durante a permanência no STF, galgou mais alguns degraus da fama quando, em agosto de 2016, acumulou a função de presidente do Senado Federal para fins do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Ao que eu saiba, foi sua única incursão no emaranhado político do país. Não tenho bola de cristal, mas sou capaz de afirmar que, mesmo do alto de sua vaidade paulistana, seu tempo na Esplanada dos Ministérios será mais curto do que imaginam os bruxos da Avenida Paulista. A antiga e forte amizade com o presidente Lula da Silva é uma justificativa mais ou menos. A distância de boa ou excelente certamente é maior do que caminhar a pé entre a sede do Ministério e o centro de São Paulo, cidade em que o magistrado de carreira era uma das eminências pardas do grupo J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, com vencimentos, salários ou participação societária certamente bastante robustas.

Largou tudo isso para ganhar uma merreca no governo. Digo merreca porque, como aposentado do STF, ele já incorporou o que podia, alcançando o teto salarial no serviço público, hoje fixado em R$ 41.650,92. Vale dizer que ele não perde nenhuma das vantagens que vierem a ser obtidas pelos colegas a curto, médio e longo prazos. Em síntese, como o teto dos servidores é o salário dos ministros da Corte Suprema, não há mais o que pagar a Lewandowski. A lei impede qualquer movimentação bastarda. Nesse caso, o máximo a que ele terá direito será uma ajuda de custo que não enche sequer o bolso mínimo do paletó.

Lembro que, em 2017, Michel Temer, sucessor de Dilma no Palácio do Planalto, convidou o também ministro aposentado do STF Carlos Mário da Silva Velloso para assumir o Ministério da Justiça, na vaga de Alexandre de Moraes, indicado para a Corte. Como agora, um foi e o outro veio. Velloso, com uma banca consolidada e com rendimentos no teto, teve seu nome aprovado por todos os partidos da base aliada. A tal merreca impediu que a vaidade transformasse o sonho de Carlos Mário em um irreversível pesadelo. Não conheço Lewandowski como conhecia Velloso, mas para um ministério político só a amizade é insuficiente para manter uma gestão de alto padrão.

Deputado federal durante dois mandatos e ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim viveu situação semelhante ao deixar o Supremo Tribunal. Depois de voltar ao escritório de advocacia que mantinha, optou por assumir o Ministério da Defesa nas administrações Lula e Dilma. A diferença dele para Lewandowski e Velloso estava no sangue. Como político, ele precisava aparecer, independentemente do holerite. Entendo que os holofotes são importantes. O problema são os numerosos pepinos que Flávio Dino e Ricardo Cappelli descascavam com estonteante naturalidade. O 8 de janeiro não me deixa mentir.

Sem Dino e provavelmente sem Cappelli na secretaria-executiva da pasta, Ricardo Lewandowski terá de buscar pessoas que saibam como administrar o vespeiro. Com todo respeito, acho que não é o caso de Manoel Carlos de Almeida Neto, secretário-geral do STF na gestão do novo ministro da Justiça. Embora inquestionável, a confiança pessoal não substitui a experiência exigida para o cargo. Discutir segurança e política em nível nacional não é para amadores. É preciso informar ao senhor Manoel Carlos que comandar um gabinete ou questiúnculas de um tribunal é diferente de lidar com cobras criadas e peçonhentas. Coringa de Lula desde o levante de janeiro do ano passado, Cappelli saiu em férias sem retorno anunciado. Oxalá os golpistas e o crime organizado também se acalmem. Lewandowski deve saber que, sem conhecimento, missão e projeto de país tendem a se perder pelo caminho antes da primeira curva.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

 

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