Pedidos de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) têm ocorrido em atos, alguns deles com a presença do presidente Jair Bolsonaro, mas generais reformados e observadores próximos das Forças Armadas chamam isso de conversa sem nenhuma base.
Defensor do golpe militar de 1964 e das duas décadas de ditadura que se seguiram no país, Bolsonaro tem permitido que seus filhos e apoiadores lancem ameaças contra instituições democráticas em parte porque ele está em situação desconfortável, dizem analistas.
Enquanto o presidente enfrenta uma economia em queda, o pior surto de coronavírus do mundo fora dos Estados Unidos e investigações policiais contra sua família e amigos, é provável que essas manifestações antidemocráticas continuem.
No entanto, três generais da reserva disseram à Reuters nos últimos dias que não há risco de intervenção militar e expressaram preocupação de que as Forças Armadas estejam sendo indevidamente politizadas sob Bolsonaro, um ex-capitão do Exército acusado de indisciplina em 1986 por insubordinação.
“Acho completamente descabida a ideia de trazer as Forças Armadas para o centro de discussão política e de disputa entre Poderes, autoridades e interesses. Isso é uma desconsideração com as Forças Armadas”, disse à Reuters o general da reserva do Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz, que atuou no ministério no ano passado até que entrou em choque com filhos de Bolsonaro.
O próprio Bolsonaro insiste que defenderá a Constituição. Mas ele acusa os tribunais de abusarem de sua autoridade e não faz nada para impedir seus apoiadores mais fervorosos de exigir a intervenção militar.
Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse em maio que uma “ruptura” institucional era questão de tempo.
O comentário ocorreu após decisão do Supremo Tribunal Federal de investigar uma suposta rede de notícias falsas e intimidação nas mídias sociais administrada por apoiadores do presidente que teve grande influência na eleição de 2018. O inquérito pode levar o Tribunal Superior Eleitoral a questionar sua vitória e potencialmente anular o resultado.
As ameaças de ruptura democrática visam intimidar rivais, promotores e o STF, segundo o cientista político Christian Lynch. Mas os comandantes militares negaram publicamente qualquer probabilidade de golpe.
“O STF reagiu e pagou para ver a carta do golpe, no jogo de pôquer do poder, e Bolsonaro não tinha a carta, porque estava blefando o tempo inteiro”, disse Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
“Inconstitucional”
Para o general da reserva Roberto Peternelli, eleito deputado em 2018 pelo mesmo partido em que Bolsonaro estava durante a campanha, os militares simplesmente não obedeceriam a uma ordem presidencial para fechar o Congresso ou o STF.
“As Forças Armadas são muito constitucionalistas e legalistas. Agem dentro dos preceitos legais. Uma determinação de fechar o Congresso ou fechar o Supremo não tem respaldo legal, pelo contrário, contraria os preceitos constitucionais”, disse.
“Não vejo risco algum de que tais atividades vão ocorrer”, acrescentou o ex-paraquedista que comandava a frota de helicópteros do Exército brasileiro, em entrevista por telefone.
O general da reserva Paulo Chagas, ex-oficial de infantaria, disse que o presidente não tem o poder de fechar o Congresso ou o Supremo e perderia a legitimidade se tentasse.
Alguns críticos dizem que Bolsonaro está politizando as Forças Armadas, que trabalharam por décadas para se estabelecer como defensoras apolíticas da democracia depois que abusos dos direitos humanos foram cometidos na ditadura de 1964-1985.
Com militares em um terço dos cargos no ministério de Bolsonaro, incluindo dois generais da ativa entre seus conselheiros mais próximos e o general da reserva Hamilton Mourão como vice-presidente, a reputação das Forças Armadas está ligada ao governo.
De acordo com uma investigação do Tribunal de Contas da União, agora existem até 3.000 militares em cargos no governo.
Chagas, que fez campanha para a eleição de Bolsonaro, disse que ainda acredita que o presidente é o melhor homem para liderar o país, mas sugeriu que os militares da ativa deveriam recusar ou deixar cargos no governo a fim de manter uma distância entre as esferas militar e política.
Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília que conhece bem vários dos ministros de Bolsonaro, afirmou que os generais que estão nos ministérios, como o chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, lembram nitidamente de como o legado do golpe de 1964 manchou a reputação das Forças Armadas.
“Esta geração dos generais Mourão e Heleno está vacinada contra qualquer tentativa golpista. Eles se sentem muito constrangidos quando o presidente e seus filhos fazem essas ameaças”, afirmou Kramer.
“Eles não conseguiram conter Bolsonaro. Mas na hipótese de uma ordem de fechar o Congresso ou o Supremo eles não vão obedecer, porque eles sabem o custo que isso trouxe para eles”, acrescentou.