Os quatro últimos fins de semana foram marcados pela aplicação das provas físicas e virtuais do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal mecanismo de avaliação do desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica. Por causa da pandemia, a abstenção física deste ano variou de 51,5% a 55,3 (segundo dia), atingindo 70% no teste virtual (números de ontem), recorde histórico do exame, criado em 1998, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Pior do que as faltas esperadas foi a ausência do ministro da Educação, pastor evangélico Milton Ribeiro, antes, durante e depois dos testes. Não fosse a imprensa especializada, certamente a desistência seria muito maior, porque o governo fugiu de suas responsabilidades, pouco fez para informar os alunos, consequentemente contribuiu com o caos anunciado
Discurso pronto de dez entre dez candidatos à Presidência da República ou a qualquer outro cargo majoritário, a educação no Brasil só vira prioridade durante as campanhas eleitorais ou publicitárias. Tem sido assim há décadas. E há décadas o ensino brasileiro tem se mostrado mais supérfluo para os governantes das três esferas de poder. Direito dele, o governo de Jair Bolsonaro atingiu um marco inédito de mudanças no comando do Ministério da Educação (MEC). No maior número de trocas desde a redemocratização do país, em dois anos já estamos no quarto timoneiro da pasta. E a nau continua navegando sem rumo.
No sentido filosófico, educação é o ato de educar, de instruir. É polidez, disciplinamento. No seu sentido mais amplo, significa o meio em que os hábitos, costumes e valores de uma comunidade são transferidos de uma geração para a seguinte. A educação vai se formando por meio de situações presenciadas e experiências vividas por cada indivíduo ao longo da vida. O conceito de educação engloba o nível de cortesia, delicadeza e civilidade demonstrada por um indivíduo e sua capacidade de socialização. Pois é tudo o que falta do início ao topo da pirâmide. Faz tempo não temos exemplo de quem manda.
Sem filosofia e no português claro, faz tempo faltam investimentos, coragem, interesse e, sobretudo vontade política para que a embarcação do saber volte a singrar com a necessária tranquilidade. Parece que faz bem a alguns o desconhecimento da maioria. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em meados de 2020, a taxa de analfabetismo no Brasil passou de 6,8%, em 2018, para 6,6%, em 2019, fechando em 11 milhões de analfabetos. Absurdo para um país que mantém a educação como principal slogan de governo. O problema será a falta de dinheiro no MEC? Não sei. Muito ou pouco, está publicado que o orçamento para a pasta em 2021 é de R$ 144,5 bilhões. Estranhamente o MEC não é mais objeto do desejo da maioria.
Esse valor é pouco mais do que o liberado para o Ministério da Defesa. Sem qualquer juízo de valor, aparentemente vivemos em um país ordeiro e com nenhuma vocação para guerras, nem mesmo as eleitorais como vem sendo proposta. Entretanto, somos carentes de educação até a 33ª vértebra da coluna. Fundamental para o futuro da nação, o setor, que já teve o economista reacionário Abraham Weintraub como ministro, é o menos importante para o bolsonarismo. Vale lembrar que Weintraub era craque em tropeçar na língua portuguesa. O atual titular da pasta alguns conhecem de nome, mas a maioria nunca o viu. Se assemelha ao novo coronavírus: embora seja invisível, todos sabem que existe, pois deixa sequelas irreversíveis.
A turma do rebanho dirá que o ministro delega poderes ao presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). É verdade. Também é verdade que, enquanto a educação patina no Brasil, o atual titular do MEC ainda não se acostumou a seus novos afazeres. Na prática, não consegue se afastar dos antigos. Como integrante do governo, deveria estar na linha de frente das iniciativas educacionais em busca do controle da crise sanitária. Deveria. Mas cadê as iniciativas? De posse da Bíblia, faz duas semanas Ribeiro esteve em Santos, a pretexto de visitar uma escola onde foram aplicadas provas do Enem. Escancaradamente, o objetivo final era participar de um culto evangélico na Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, da qual é pastor.
Nada demais não fosse sua pregação. No auge do louvor, o ministro esqueceu a liturgia do cargo e afirmou que seu papel no governo federal “é mais espiritual do que político”. No plural, ou seja, em nome de mais alguém, disse ainda que “nós queremos tirar o Brasil de um rumo de desastre, em que valores como família, criação de filhos, o que é certo, o que é errado, pudessem ser novamente preestabelecidos. A Bíblia diz que haveria um tempo em que as pessoas iriam chamar o que é certo de errado, e o que é errado de certo”. Tudo isso estava no canal do YouTube da instituição, mas foi retirado do ar após a repercussão das palavras do pastor.
Para os leigos, a fala lembrou discurso de bêbado. Sem pedir permissão a Deus, o ministro acrescentou que foi colocado ao lado de Jair Bolsonaro, “de modo a lhe dar oportunidade de, a sós, orar com e por ele”. Ministro, parece que suas rezas não estão produzindo o efeito esperado. As reações públicas do presidente são de alguém “possuído” por uma entidade cansada, daquelas que, muito mais do que luz ou uma aleluia, carecem de axé, de saravá, de benzedeira. Deus é mais e há de nos proteger do cabresto, da mordaça e da Covid-19. Que vença a vida.
*Wenceslau Araújo é jornalista