Há gente que se conhece sem nunca ter trocado palavra. Pode parecer estranho, mas acontece. Um caso assim ocorria entre Moacir e Antonio, dois sujeitos que já se viram tantas vezes, que seria difícil afirmar quantas.
Moacir, do alto dos seus quase 80 anos, viúvo há dois, recebe gorda aposentadoria, o que lhe permite viver confortavelmente no amplo apartamento decorado pela falecida. Filhos e netos, apesar de visitá-lo com certa frequência, já desistiram de falar para o idoso arrumar uma cuidadora. É que o vovô tem a resposta na ponta da língua.
— Sou velho e sei que velho sou, mas as minhas coisas faço eu.
A vida não tem sido tão generosa com Antonio. Abandonado pela esposa por conta de incompatibilidades, perdeu o juízo e, com ele, o emprego e, sem dinheiro, se tornou frequentador assíduo das calçadas. Dessa forma, o gajo vive à custa da caridade alheia ou, então, canta alguma canção do Nelson Gonçalves acompanhado de uma caixa de fósforo.
Durante as caminhadas diárias, Moacir quase sempre passa pelo mendigo e, apesar de saber que ele vive por ali, evita fitá-lo. Não por medo, mas receio de conversas desnecessárias. Todavia, o inevitável aconteceu justamente há alguns dias, quando o viúvo colocou os pés para fora e, uns 30 metros adiante, se deparou com Antonio, que tentava encontrar o tom adequado de “Fica comigo esta noite”.
Moacir, que também é fã do finado cantor gaúcho, olhou para Antonio, que retribuiu o olhar. O idoso, instintivamente, se sentiu compelido a cumprimentar o maltrapilho.
— Beleza?
— Beleza é o que me falta, mas simpatia tenho de sobra.
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.