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Moça poderosa ou outra doidivana na família?

Cresci rodeada de mulheres, algumas ousadas, outras contidas, sem contar duas ou três doidivanas, que até hoje me fazem querer ir muito além do que nos é permitido. É certo que, para sobreviverem, todas tiveram que ser submissas em algum momento da vida.

Vovó, toda vez que uma de nós casávamos, vinha com uma frase feita, que sempre odiei:

— Foi-se o tempo do biquíni.

É difícil, ao menos para mim, falar sobre algo que me causa repulsa, ainda mais quando dito por alguém que tanto me deu carinho. Minha avó tinha lá seus defeitos, como todos nós. Entretanto, com seu jeito matrona, sempre soube nos proteger de alguma forma. Levei tempo para entendê-la, pois as amarras naquele tempo eram tantas, que já nascíamos acostumadas a encará-las como próprias da condição de mulher.

Sei que as conquistas, por mais módicas que pudessem parecer, foram cruciais para que eu entrasse na faculdade. E nem fui a primeira da família a fazer um curso superior, já que duas primas cursaram letras e história. No entanto, quando chegou a minha vez, a escolha por engenharia, ainda mais civil, causou certo reboliço na parentada.

— Engenharia civil?

— Pra você ver!

— E desde quando isso é profissão de mulher?

— Pois é!

— Por que não escolheu ser professora?

— Ou enfermeira?

— E quem vai ter coragem de morar num edifício construído por uma mulher? Me poupe!

— Aposto que não conclui. Muitos cálculos!

— É verdade. Esse negócio de matemática não é pra mulher.

Obviamente que não fui a primeira mulher a se formar em engenharia civil, mas ouvi muitas frases imbecis como as ditas pelos meus parentes. Vovó, creio, também não gostou da minha escolha. Todavia, não me lembro de qualquer frase desabonadora sobre a neta estudar para ser engenheira.

Após me formar, ainda escutei algumas tolices. Diziam que, finalmente, eu poderia arrumar marido e voltar para o mundo reservado às moças. Em vez disso, comecei a trabalhar e, em alguns anos, já assinava algumas construções importantes aqui em Natal.

Também me casei com um colega de profissão. Minha avó, entretanto, jamais me disse sua famosa frase sobre biquíni. Não sei se porque percebeu que a neta havia chegado a um ponto que nunca imaginou possível para uma mulher ou, então, teve certeza de que eu passaria a vida inteira usando biquíni.

Mas deixe-me confessar um segredinho. É que vovó estava certa. Foi-se o tempo do biquíni. E hoje mesmo vou visitar o município de Conde, na Paraíba, e andar completamente pelada pelas areias de Tambaba.

………..

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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