Mamãe e papai não se suportavam, mas pareciam se entender muito bem na intimidade, haja vista as juras de amor que ouvíamos vindas do quarto noite adentro. Talvez por isso, as nossas manhãs eram tranquilas, com aqueles dois lançando sorrisos de felicidade por conta da satisfação vivida horas antes.
Como meus irmãos e eu entrávamos na escola bem cedo, sempre saíamos com a sensação de que a nossa família era que nem comercial de margarina. É verdade que, vez ou outra, o sabor não era dos melhores, mas nada que nos fizesse desacreditar que éramos felizes. E éramos, pelos menos na maior parte do tempo.
Essa intensidade de emoções perdurou até que nós, provavelmente cansados de vivenciar tantas brigas, fomos saindo, um a um, de casa. Laís, minha irmã mais velha, que havia entrado na faculdade, arrumou um emprego de meio período, que lhe deu o suficiente para dividir um quarto-e-sala com uma colega.
Luís Carlos, o do meio, que havia engravidado a namorada, foi obrigado pelo pai da moça a se casar. Casou, mas conseguiu posição na empresa da família da esposa, além de não precisar pagar aluguel, pois foi morar nos fundos da mansão dos sogros, onde reside até hoje, rodeado dos meus quatro sobrinhos, um mais lindo do que o outro.
Fui a última a abandonar o barco, talvez por ser a mais mimada. Papai sempre fazia questão de preparar meu café da manhã, enquanto mamãe, vez ou outra, me presenteava com um vestido novo. Todavia, até para os caçulas chega a hora de deixar o ninho, e comigo não foi diferente.
Não foi por conta de estudo, trabalho ou casamento. Havia acabado de me formar em biologia e não pensava em fazer alguma pós-graduação. Dessa forma, estava me sentindo livre para alçar novos voos, mas sem me preocupar com notas.
Quanto ao trabalho, resolvi pedir as contas. Não que eu ganhasse tão mal assim. Na verdade, dava mais do que pro gasto. Entretanto, nunca fui muito boa de cumprir horários, ainda mais porque precisava acordar muito cedo, o que vai contra a minha natureza repleta de preguiça.
Namorado até que tinha, mas nada sério. Se eu ainda não havia me desvencilhado do Marcos, foi por questão de afeto. Todavia, afeto por afeto, preferi a incerteza da aventura à certeza da mesmice da estabilidade.
Marcos, sentindo que nada mais me segurava ao seu lado, suplicou para que eu pensasse melhor. Não tinha coisa para pensar e, por isso, após uma noite tórrida de amor, o deixei dormindo, certamente sonhando que ainda teríamos algum futuro.
Peguei minha velha mochila de jeans no fundo do armário e a preenchi com duas mudas de roupa, alguns sachês de chá de camomila e capim-limão, uma garrafa térmica e um tanto de coragem. Desde então, caí no mundo. Assim que possível, vou mandar um cartão postal para meus pais. Espero que tudo esteja bem.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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