Silmara chegou cansada. Jorge, o marido, não fingiu que não notou e, então, os dois conversaram.
— Você está bem?
— Estou exausta, meu bem.
— Aconteceu alguma coisa?
— Quero descansar desse barulho infernal. Levei quase duas horas no trânsito.
— Relaxa, que vou preparar aquele patê para comermos com torradas. Que tal um filminho?
A mulher sorriu aquele sorriso forçado e foi tomar uma ducha. Quem sabe, assim, ela se animaria.
Casados há quase 15 anos, os dois não apresentavam muitos percalços financeiros. É verdade que, vez ou outra, precisavam recorrer à poupança, mas nada que abalasse o futuro do casal. Ademais, uma das raras despesas com terceiros era a ração dos peixes, que cismavam em nadar no amplo aquário na estante da sala.
Sentados no sofá, assistiram ao clássico “Janela indiscreta”, de Alfred Hitchcock. Os dois já haviam visto o filme inúmeras vezes, mas continuavam a sentir um frio na barriga nas cenas mais tensas. Tanto é que, nessas horas, as torradas com patê eram esquecidas sobre a mesa de centro.
Na manhã seguinte, durante o café, trocaram olhares confidentes. Jorge tentou desvendar os mistérios por trás daqueles lindos olhos castanhos, enquanto Silmara parecia conhecer todos que o marido, em vão, tentava esconder.
— Amor, comprei uma coisa pra você ontem.
— Jorge, estou de dieta.
— Como você sabe o que comprei?
— Você se esqueceu de que temos conta conjunta?
Mesmo diante da perspicácia da esposa, Jorge foi até o quarto e retornou com uma caixa de bombons finos.
— Da próxima vez, pago em dinheiro.
— E por que você precisaria andar com dinheiro?
— Ué, pra você não descobrir que comprei um presente pra você.
— Jorge, mas você só me dá chocolate.
— Sou tão previsível assim?
— É.
Silmara observou por um instante a cara de desolação do homem. Depois sorriu.
— Ah, me dá o meu presente aqui.
— E a dieta?
— Começo amanhã ou na semana que vem.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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