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Uma epidemia

Moro cobra do Congresso medidas anti-corrupção

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Gabriela Lara

O juiz federal Sérgio Moro fez uma ampla defesa da Operação Lava Jato na noite desta quarta-feira, 21, em palestra no Rio Grande do Sul. Limitando-se a falar dos casos já julgados, e sem citar nomes, ele destacou os resultados obtidos até aqui, mas defendeu a necessidade de que outras instituições, além do judiciário, se envolvam no combate ao que ele chama de corrupção sistêmica.

“Tenho dito que o funcionamento da justiça criminal frente à corrupção sistêmica é uma condição necessária para sua superação, mas não é uma condição suficiente. O combate e a prevenção da corrupção exigem muito mais. Até porque nem todos os crimes vão ser descobertos. E nem todos os crimes descobertos vão ser provados, pelo menos não no nível necessário para se autorizar uma condenação”, disse a uma plateia de mais de mil pessoas na cidade de Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre.

Segundo ele, o Legislativo “tem a obrigação” de aprovar reformas, seja no campo da justiça criminal, seja em outros campos. “Por exemplo, aumentando a transparência dos contratos públicos. Da mesma forma, o governo tem uma responsabilidade primordial na superação desses esquemas de corrupção sistêmica”, avaliou.

Voltando a falar do Legislativo, Moro lembrou o projeto de 10 medidas de combate à corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal, e que atualmente é discutido por uma comissão especial na Câmara dos Deputados.

“O projeto, claro, pode sofrer alterações, pode não ser aprovado em toda sua integralidade. Mas é importante, neste momento, que houvesse uma aprovação pelo menos das medidas mais importantes previstas naquele projeto. Não apenas pelo valor intrínseco das propostas, mas principalmente para o Congresso sinalizar de que lado se encontra, propiciando talvez um ciclo virtuoso que nos auxilie a superar este quadro de corrupção sistêmica”, afirmou.

Pouco antes, ele tinha citado a Operação Mãos Limpas, que combateu a corrupção na Itália na década de 1990. “Lá se teve um caso gigantesco, com números superlativos, no qual também se descobriu um esquema de corrupção sistêmica. E esta operação teve um impacto tremendo, mas dois ou três anos após esta operação o impacto e o interesse da opinião pública começaram gradativamente a arrefecer”, disse.

O resultado, segundo Moro, é que a parcela do sistema político italiano que compactuava com a corrupção “contra-atacou” e minimizou, em parte, o efeito da operação, aprovando, por exemplo, leis que anistiavam parcialmente penas aplicadas na Mãos Limpas, ou que tornavam mais difícil o trabalho dos investigadores.

“Há uma controvérsia sobre a herança da operação na Itália. O erro, quando se faz esta avaliação do caso italiano, é pensar que a culpa foi da operação ou os investigadores”, disse. “Mas, diferente do que ocorreu na Itália, nossa história ainda está em aberto.”

Na palestra, Moro ainda disse que a corrupção sistêmica traz uma série de prejuízos ao Brasil, inclusive econômicos, já que “afugenta investimentos”, além de representar uma degeneração da própria democracia. “Uma das causas desta degeneração consiste no fato de a Justiça criminal brasileira não ter uma tradição forte de punição de crimes relacionados à corrupção sistêmica. Claro que tem que deve ser garantido o devido processo legal, existem direitos fundamentais a serem respeitados, mas a Justiça criminal não pode ser um faz de conta”, afirmou, defendendo as prisões cautelares na Lava Jato.

“Muitas vezes se critica a operação Lava Jato no sentido de que haveria um número excessivo e expressivo de prisões cautelares”, revelou. “É forçoso reconhecer que, diante de um quadro de corrupção sistêmica, existe um quadro de relativa anormalidade que demanda remédios mais fortes.”

Segundo ele, o fato de a sociedade civil demonstrar apoio à Lava Jato dá motivos para que se tenha “esperança no futuro”, e isso se refletiu nas manifestações populares de 2015 e 2016. “Inegavelmente uma bandeira comum dos manifestantes era o repúdio à corrupção sistêmica. Num quadro como este o apoio da população, da sociedade civil, é essencial para que possamos superá-la”, disse.

Moro também afirmou que não há nenhum país que seja “destinado” à corrupção sistêmica. “(A corrupção) não é como malária, ou zica; é um padrão de comportamento humano”, falou, acrescentando que a sociedade brasileira já superou desafios “enormes” no passado, como a ditadura militar e a hiperinflação. “Não há nada que com virtude cívica não possa ser superado dentro de um regime democrático.”

Conforme o juiz federal, a Lava Jato deixou de ser um caso criminal ordinário, como parecia que seria no início, e se tornou algo que envolve a “própria qualidade da nossa democracia”.

Moro foi recebido como astro em Novo Hamburgo. Em sua entrada, por volta das 21 horas, foi ovacionado pela plateia no Teatro Feevale. Depois, ao longo da palestra, sua fala foi interrompida em mais de uma ocasião por aplausos do público. No final, o juiz respondeu a algumas perguntas da plateia. No total, falou por cerca de duas horas. Questionado sobre a denúncia envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que não faria comentários, por se tratar de um caso que está pendente.

Na última terça-feira, 20, Moro acolheu denúncia da Procuradoria da República no Paraná e tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva réu em ação penal da Operação Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O petista foi acusado formalmente de receber R$ 3,7 milhões em benefício próprio da empreiteira OAS entre 2006 e 2012. É a primeira vez que Lula vira réu em processo na 13.ª Vara Federal de Curitiba sob a acusação de se beneficiar do esquema de corrupção e desvios de recursos da Petrobrás.

estadao

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