Sinônimo de vida
Morre Francisco, o papa da paz que era vizinho do país onde Deus nasceu

Roma amanheceu em silêncio nesta segunda, 21 de abril. De madrugada, o coração de Jorge Mario Bergoglio, o papa que veio do sul do mundo, cessou sua batida serena aos 88 anos. A brisa da Cidade Eterna pareceu suspender-se por um instante, como se o próprio tempo fizesse reverência ao homem que caminhou entre os humildes e falou em nome dos esquecidos.
A causa foi uma pneumonia dupla — mas há quem diga que foi o excesso de amor ao mundo que finalmente o levou. Na véspera, ainda sob o céu pascal do Vaticano, ele apareceu diante dos fiéis, seu último aceno, sua última bênção.
Desde jovem, seu pulmão carregava cicatrizes de uma missão que não foi: o Japão o aguardava, mas a gripe asiática de 1957 lhe roubou parte do pulmão e mudou sua rota. Ficou na América do Sul. Ficou com os seus. Para então, anos depois, ser chamado a conduzir os muitos da Igreja — não com cetro, mas com sandálias gastas.
“No regaço do Pai repousa agora o Bispo de Roma”, anunciou o Vaticano, com a solenidade de quem perde mais que um líder — perde-se uma luz. “Francisco dedicou a vida ao Evangelho com coragem, fidelidade e amor sem fronteiras. Deixamos sua alma nas mãos misericordiosas do Deus Trino.”
Nascido em Buenos Aires, no verão de 1936, entre as promessas do século XX e os ventos de imigração italiana, Bergoglio se formou em Química antes de escolher o sacerdócio. Era jesuíta — o primeiro a sentar-se no trono de Pedro. E também o primeiro a fazê-lo depois da renúncia de um predecessor. O primeiro das Américas. O primeiro Francisco.
Foi eleito no dia 13 de março de 2013, num conclave envolto em incertezas, sob as sombras de uma Igreja ferida por escândalos e distanciada do povo. Assumiu contrariado, segundo confidenciou. Mas assumiu. E com ele, a Igreja ganhou risos, gestos simples, e palavras duras ditas com brandura.
Enfrentou resistências. Carregou a cruz do seu tempo: pedofilia no clero, a crise dos refugiados, guerras, a pandemia. Foi visto sozinho na Praça São Pedro vazia, em um dos momentos mais simbólicos da era Covid — um velho de branco, enfrentando a tempestade com uma prece.
Seu pontificado foi feito de gestos. Beijou pés, abraçou doentes, sentou-se com muçulmanos, judeus, ateus. Recebeu transexuais, perdoou quem muitos queriam julgar. Reformou a Cúria, limpou as finanças, distribuiu bênçãos onde antes havia só proibições.
Mas nem todos os ventos sopram a favor. Francisco não chegou a ordenar mulheres, como sonhavam muitas fiéis. E a doutrina permaneceu em sua forma tradicional, como pedra que resiste à enxurrada. Mesmo assim, foi acusado de ir longe demais — por aqueles que desejavam que nada mudasse.
Ele dizia que a Igreja não deveria ser aduana, mas hospital de campanha. Para os feridos da alma, para os que vivem à margem. Sua escolha pelo nome de São Francisco não foi acaso: o santo dos pobres foi seu farol. E “Miserando atque eligendo” — “olhou-o com misericórdia e o escolheu” — seu lema.
Francisco viveu suas últimas semanas entre hospitais, tosses persistentes, febres e ausências. Ainda assim, tentava estar presente. Nos últimos dias, a infecção venceu o corpo, mas não apagou o espírito.
Agora, a Sé está vacante. O mundo, em luto. O Colégio dos Cardeais prepara o novo conclave. Mas Francisco não será sucedido com facilidade. Porque seu lugar foi mais do que um trono — foi o chão, foi o banco da praça, foi o olhar para os invisíveis.
Partiu o Papa da misericórdia. Fica o exemplo do homem que trouxe a ternura à diplomacia, o perdão à doutrina, a humanidade à Igreja. Nas ruas e nos corações, ecoa ainda sua voz: “Quem sou eu para julgar?”
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Marta Nobre é Editora Executiva de Notibras
