Não sei por que fui me lembrar do Chico Pé de Galo justamente hoje, véspera do meu aniversário de 40 anos. Talvez seja por causa do bolo de cenoura com cobertura de chocolate, que era um dos quitutes favoritos dele. Não os preparados por mim, mas por minha mãe. Provavelmente tenha sido a saudade de mamãe, que, além de doceira de mão-cheia, sabia ser amiga sincera dos menos favorecidos.
Chico Pé de Galo, nunca soube seu verdadeiro nome, possuía lá as suas incógnitas. Soube por alguém que Francisco não era como se chamava o sujeito. Sei apenas que era dessa gente sem muitos recursos, que, vez ou outra, pousava no sítio dos meus pais. Era homem de tamanho mediano, de poucas carnes, rosto mais comprido que redondo, cabelos queimados do sol, vestes surradas, botinas furadas. A voz era engraçada, puxava os erres mais do que os goianos e menos do que os do Mato Grosso. Na verdade, não me lembro de um dia ter ouvido sobre sua procedência.
Minha mãe dizia que o Chico Pé de Galo visitava a família lá pelos lados de Minas Gerais ou São Paulo. Nem ela sabia dizer direito, pois o homem era cheio de mistérios. Hoje até me pergunto se ele não era bandido procurado. Teria que fazer pesquisa aprofundada para tentar desvendar a veracidade ou não disso, mas a curiosidade não é suficiente para me empurrar para tal empenho. Além do mais, já faz tantos anos, que não vejo motivo para me perder em buscas sem sentido.
Certa feita, lá pelos idos de 1967, quando os pés de chumbo, sediados na capital federal, tocavam o terror no país inteiro, Chico Pé de Galo apareceu adoentado no sítio. Meus pais acolheram o amigo e chamaram o Agripino, que fazia as vezes de médico aqui em Luziânia. Não era sempre que ele acertava e, quando a sorte do acamado não era boa, o enterro se dava no máximo no fim do terceiro dia.
Chico Pé de Galo ardeu em febre por duas noites e, assim que começou a amanhecer o dia, deu o derradeiro suspiro. Minha mãe, que estava ao seu lado, pareceu desolada. Fui até ela e a abracei, enquanto as lágrimas brotavam sem parar dos seus olhos castanhos.
— Mamãe, por que a senhora tá chorando pelo Chico Pé de Galo?
— Porque não tem ninguém pra chorar por ele, Martinha.
………………………