Luiz Carlos Merten
Maior e mais longevo evento de cinema do tipo no País, a Mostra de São Paulo chega à sua 41.ª edição fiel à vocação de abrir uma janela para o mundo – e retratar o estado do planeta. Neste sentido, o cartaz assinado por Ai Weiwei e o longa dirigido pelo artista, que abre nesta quarta, 18, a Mostra de 2017 para convidados, reafirmam o que já disse Renata de Almeida em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”.
O drama dos refugiados em Human Flow – Não Existe Lar se Não Existe Aonde Ir e a retomada da discussão sobre o aquecimento global e as sucessivas violações do meio ambiente em Uma Verdade Mais Inconveniente, a nova denúncia de Al Gore, apontam para uma tomada de posição.
A Mostra, que vai até 1.º de novembro, não é somente uma vitrine para as estéticas em implosão de autores ao redor do mundo. Ética e estética têm de andar juntas. Aqui você não vai ver nada que não participe de um esforço em prol da diferença e do entendimento. Não por acaso, o maior prêmio da Mostra chama-se Humanidade, e este ano será outorgado a Agnès Varda, precursora da nouvelle vague e uma das maiores autoras de cinema da França e do mundo. Dela, serão exibidos 11 longas restaurados, e a Mostra ainda traz o novo filme da diretora, Faces Places – o melhor exibido em Cannes, em maio, muito melhor que o vencedor da Palma de Ouro, The Square, do sueco Ruben Östlund. Faces, Places, correalizado com JR, passou fora de concurso.
A 41.ª Mostra em números, todos superlativos. Serão 394 títulos de 59 países, apresentados em 40 salas de 33 pontos de exibição, incluindo novos espaços que estão sendo agregados aos já tradicionais, de anos anteriores. O PlayArte Marabá, no centro de São Paulo, e o Instituto Moreira Salles, na Av. Paulista. Sim, haverá a tradicional projeção ao ar livre, na área externa do Auditório Ibirapuera, com acompanhamento da Orquestra Jazz Sinfônica. O clássico da vez será O Homem Mosca/Safety Last!, de 1923, dirigido por Fred C. Newmeyer e Sam Taylor, com Harold Lloyd. Já que falamos em Varda, cabe ver como será a representatividade feminina. A Mostra exibe 98 filmes dirigidos por mulheres, dos quais 18 são brasileiros. Um dos destaques é Praça Paris, que deu a Lúcia Murat o prêmio de diretora de ficção na Première Brasil do recente Festival do Rio.
Mantenha na mira outros filmes de mulheres – Zama, da argentina Lucrecia Martel; Esplendor, da japonesa Naomi Kawase; Mulheres Divinas, da italiana Petra Volpe; e Vazante, da brasileira Daniela Thomas. Parceira de Walter Salles, Daniela virou inimiga do povo no debate realizado em Brasília sobre seu longa que retrata o período da escravidão. O tema presta-se à polêmica, mas um mês depois do massacre, ela já respondeu aos ataques pela mídia e se fortaleceu para os novos encontros com o público.
No Brasil polarizado das redes sociais, em que a norma tem sido a ofensa, as pessoas precisam reaprender a exercitar o diálogo. Para permanecer no âmbito do cinema brasileiro, a Mostra deste ano apresenta uma seleção de 64 longas nacionais e, dentre eles, 54 concorrerão ao Prêmio Petrobrás de Cinema, que vai contemplar os vencedores com R$ 300 mil – R$ 200 mil para a melhor ficção; R$ 100 mil para documentário -, a título de incentivo para a distribuição.
Além do Prêmio Humanidade para Agnès Varda, a Mostra outorga o Prêmio Leon Cakoff a outro francês – Paul Vecchiali -, objeto de um verdadeiro culto por parte de muitos cinéfilos. O ator e diretor Paulo José também recebe o prêmio que leva o nome do criador da Mostra – e será emocionante (re)ver sua trajetória no belo documentário Todos os Paulos do Mundo. As homenagens não param por aí.
Os 80 anos de Leon Hirszman, nome maior do Cinema Novo, serão lembrados com a exibição da versão restaurada de Eles Não Usam Black-Tie. E ainda haverá um Foco Suíça, com direito a ciclo de sete filmes do cineasta Alain Tanner, mais um trabalho inédito de Jean-Luc Godard para TV.
PRIMEIRAS PÉROLAS
O Dia Depois – Os filmes de Hong Sangsoo são sempre biscoitos finíssimos
As Duas Faces da Felicidade – A felicidade, segundo Agnès Varda. Um homem, duas mulheres e as mais belas cores do cinema.
Esplendor – Naomi Kawase e sua narradora de filmes para cegos. O essencial é invisível para os olhos.
Felicité – Uma cantora em Kinshasa, seu filho que sofreu um acidente. Mãe, mulher, artista. Que extraordinária atriz é Véronique Mputu.
Jonas Que Terá 25 Anos no Ano 2000 – Adultos buscam um novo sentido para suas vidas numa fazenda comunitária. E o diretor Alain Tanner põe a esperança no pequeno Jonas, de 6 anos.
Mar de Tristeza – Vanessa Redgrave como diretora. A tragédia dos refugiados.
O Outro Lado da Esperança – Aki Kaurismaki e seu refugiado sírio. Lição de vida, e cinema.