Depois de meses tentando encontrar alguma falha na urna eletrônica, encontrei as fraudes exaustivamente cantadas pelos então candidatos e até hoje bolsonaristas fanáticos. A fraude são aqueles muitos que votaram a favor do voto impresso e, infelizmente (sim, infelizmente), foram reeleitos pelo sistema que criticaram e desconfiam. Ou seja, demagógica e bolsonaristicamente, tentaram desacreditar o processo, mas se beneficiaram dele. O pior é que sequer se desculparam pelas sandices que disseram ou fizeram para colocar os fanáticos contra a Justiça Eleitoral. Autora da emenda que questionava o modelo brasileiro de votação (a farsa das fakes), a deputada Bia Kicis (PL-DF) acabou como uma das maiores beneficiárias das urnas, sendo reeleita com a maior votação do Distrito Federal.
Ela também deu uma de avestruz. Se beneficiou do que combatia, mas se escondeu quando o mundo inteiro se rendeu à invulnerabilidades das máquinas criadas pelo TSE, utilizadas pela primeira vez em 1996 e até hoje protagonista da maior eleição informatizada do planeta. Aliás, a bancada do Partido das Lágrimas (PL) foi a que mais se insurgiu contrariamente ao sistema eletrônico e a que mais reelegeu deputados favoráveis à marmota do voto impresso. Em que pese o chororô dos rebeldes sem causa (os que defendem intervenção e o escambal contra Lula), o resultado das eleições de 2022 é a prova cabal de que o “papelinho” reivindicado pela turma da confusão diminuiria a capacidade do povo brasileiro de escolher democraticamente seus representantes.
Manter o processo como ele foi criado significou uma defesa da democracia, da transparência e das urnas eletrônicas, que são e continuarão sendo exemplo para o planeta. Lembro que, pouco antes da eleição, escrevi por semanas a fio sobre a segurança, a credibilidade e, sobretudo, a inviolabilidade das urnas eletrônicas do meu amigo Zé, o remanescente dos ninjas no TSE. Quem, como eu, viu e viveu de perto o nascimento das maquininhas de votar sabe que estou falando dos engenheiros nisseis que ajudaram o físico nuclear Paulo Bhering Camarão, juristas, cientistas políticos, advogados, juízes especialistas em informática e servidores da Justiça Eleitoral na tarefa gloriosa de criar a engenhoca. Tudo sob o comando do ministro Carlos Mário da Silva Velloso, um dos mentores do sistema.
Aposentado desde 2006, Carlos Velloso foi o primeiro magistrado de cortes superiores a apostar todas as fichas de que dispunha na novidade tecnológica que revolucionaria as eleições brasileiras. Quando pude, me associei aos amigos Zé e Camarão e também apostei e continuo apostando no equipamento, sem qualquer margem de erro para cima ou para baixo. Vale lembrar que, para a renca do contra, falar mal das urnas eletrônicas virou um mantra entoado por aqueles que ficaram de fora do trabalho de criação ou que, acostumados a mecanismos rudimentares e criminosos de captação de votos, temiam a reprovação eleitoral. Isto porque, associada ao silêncio da máquina, a indevassabilidade da cabine de votação passou a impedir a operação persuasiva de candidatos desonestos.
Quase dois meses após o pleito que alijou Jair Bolsonaro e alguns seguidores do dia a dia político do Brasil, poucos dos críticos eleitos ou reeleitos tiveram coragem ou grandeza de vir a público para uma mea culpa. Nem mesmo os 129 dos 229 que votaram a favor do voto impresso. E não seria nada que pudesse ferir o orgulho de cidadão ou de cidadã sob suspeita de desonestidade pontual, algo próximo de uma fraude eleitoral, mas, no caso concreto, uma obrigação de admitir que mentiu para se manter ou se ascender ao poder. O eleitor certamente entenderia e aceitaria mais uma mentirinha dos que escolheram para representá-lo na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Entre tantas, seria a menor das falhas de conduta de nossos ciosos e preocupados parlamentares.
Nesse espectro de homens e mulheres que, deliberadamente, trocam a alma por uma vaga de congressista, de governador e de presidente da República, salvou-se o ainda vice-presidente Hamilton Mourão. Já diplomado como senador da próxima legislatura, o general de tantas falas ambíguas foi uma das raras vozes em favor da Justiça Eleitoral. Ainda que não tenha defendido o sistema com a esperada veemência, pelo menos afirmou não ter conhecimento de nenhuma prova concreta sobre fraude no processo. Atestou, no entanto, a ocorrência de “voto de cabresto” no interior, em terras indígenas e em áreas quilombolas. Pode ser. Interessante ele não ter mencionado as ações criminosas da Polícia Rodoviária Federal nas estradas e vias brasileiras. A intenção não era republicana. Então, general, onde está o cabresto? O fato é que a PRF não conseguiu parar todos os carros com adesivos de Luiz Inácio. Ele foi eleito, diplomado, empossado e carregado nos ombros do povão. E tudo graças às urnas eletrônicas do zeloso amigo Zé.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978