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Mourão vira o canguru perneta de Jair Bolsonaro

O presidente da República fez na terça, 9, uma reunião ministerial e deixou de fora o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Muito mais do que uma cavalar deselegância, o chefe do Executivo deve ter esquecido de que foram eleitos com os mesmos votos. Portanto, presidente, o vice é irremovível, inviolável, indemissível, imexível. Até o fim do mandato, será seu canguru perneta. Enfim, o gesto confirmou o que a Esplanada dos Ministérios já sabia: o medo de Bolsonaro perder a cadeira para seu colega de chapa. O receio presidencial foi escancarado semana passada, após o vazamento de uma conversa reservada entre um assessor de Mourão e o chefe de gabinete de um deputado federal. A partir daí, Deus e as torcidas do Flamengo e do Corinthians também passaram a ter certeza da falta de imaginação do capitão para gerir o país.

Além disso, o fato deixou claro outras três situações que muita gente imaginava, mas tinha receio de torná-las públicas por falta de confirmação segura: o diálogo publicado no site O Antagonista mostra um vice bem preparado, como foi Temer, ratifica o fim da “boa” relação entre Bolsonaro e Mourão e, o mais relevante, consigna que as Forças Armadas não estão fechadas com os devaneios do capitão. O assessor da Vice-Presidência foi defenestrado com a rapidez exigida pelo caso. Entretanto, emplacou seu comercial em rede nacional. Faz algum tempo os vices têm sido tão protagonistas do cenário palaciano como seus titulares.

Foram eleitos para isso e, salvo algumas exceções recentíssimas, conseguiram cumprir papéis mais relevantes que os supostos criadores. Além de Mourão, Itamar Franco e Temer deixaram o ostracismo do anexo do Palácio do Planalto para, com polidez, conhecimento e postura de governante, mostrar aos brasileiros que não foram escolhidos por acaso. Não estou elocubrando coisa alguma. Permitam-me a hipérbole, mas já li um milhão de vezes que o sonho de Bolsonaro, além de eleger Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara, é ter um governo apenas seu, sem “encostos”, sem sombras, sem alguém com mais peso que ele.

Foi essa a única razão para as demissões do ex-juiz Sérgio Moro (Ministério da Justiça) e de Luiz Henrique Mandetta (Ministério da Saúde). Competentes em suas áreas, os dois sabiam o que faziam e, consequentemente, apareciam mais do que o rei. Por isso, incomodavam tanto o papa quanto 01, 02 e 03. Subservientes, os encostados das pastas das Relações Exteriores e do Meio Ambiente são imexíveis, são adorados. A diferença entre Moro, Mandetta e Mourão são os votos do general. Tirar o militar graduado do caminho é tarefa impossível.

A família terá de chorar um oceano de lágrimas (mais uma hipérbole) e engolir o sapo ensaboado e boa praça até 2022. A quase dois anos das eleições gerais do próximo ano, ainda é cedo para se falar em vice. Também seria para a Presidência, mas não é o caso do capitão, que sonha acordado com mais um mandato. Como desconhecemos a amplitude dos próximos temporais, não temos ideia do que nos espera. E é melhor que seja assim. Preferível deixar para esquentarmos a mufa depois dos lançamentos das candidaturas, quando certamente teremos superado os fiascos recentes e já estaremos prontos para a escolha correta ou, numa hipótese por demais pessimista, preparados para nova chacoalhada.

Encontrar o vice dos sonhos é como buscar o grão mais escuro em um pacote de açúcar demerara. Tem sido assim pelo menos nos últimos 20 anos. Ao quantificar o tempo, talvez, sem querer querendo, torno pública minha preferência política, que é pouco anterior a esse período. Pouco importa ter saído do armário, na medida em que, apesar do silêncio do voto, sinto-me orgulhoso de ter, de forma real, contribuído para que o Brasil tivesse oito anos de solidez econômica e de alguma tranquilidade. Muito mais do que no tempo da caça aos marajás.

Antes que seja cobrado pelos patrulheiros de plantão, é claro que houve roubalheira. Infelizmente, roubar no Brasil – em todos os níveis da administração pública – é sinônimo de endemia. Está enraizado. Cabral, Dom João, dona Leopoldina, os Pedros I e II e suas trupes pilharam a terra do pau Brasil, sem chance de esperneios. Eles enriqueceram Portugal às nossas custas. Demos o troco ao invadirmos a Pátria Mãe. Somos odiados por lá, apenas porque, dos cerca de dez milhões de habitantes, seguramente representamos de 3% a 5% deles.

É o preço da colonização. Voltando ao vice, o ex-senador pernambucano Marco Maciel seria cortejado até hoje não vivesse o drama da doença de Alzheimer. Discreto, negociador, conciliador, hábil no jeito de fazer política e ágil nos bastidores, passou os oitos anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso apagando incêndios de pequenas proporções e dialogando com todos igualitariamente. Foi o vice dos sonhos. Além de saber o que diz, o general Hamilton Mourão fala a mesma língua dos que defendem a democracia. E não parece discurso demagógico. Desde que recomeçamos a exercitar nosso direito de voto, em 1989, conhecemos candidatos, presidentes e vices bem distintos, no sentido de diferentes.

Da frustrada caçada a marajás, debatemos assalto aos cofres públicos e pedaladas, mas nunca tivemos o desprazer de ouvir gratuita e frequentemente xingamentos públicos e desprovidos de razão, tampouco um general com perfil de “bombeiro” ser desautorizado jocosamente conforme o humor do “chefe”. Quem manda tem de ser lembrado com frequência que a terra gira. Razão é o vocábulo a ser perseguido no próximo pleito. Espero viver até lá para consolidar um prazer de infância: fechar qualquer tipo de porta para aventureiros. Resolvi incorporar o espírito de Gabriel Garcia Márquez no verso “…Não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque envelhecem. Elas envelhecem porque pararam de sonhar”. Será que o Brasil não tem mais jeito? Claro que sim. Depende de nós. Basta termos a certeza de que os sonhos não envelhecem e que as ideias são imortais.

Temos de buscar a luz no fim do túnel a qualquer custo, ainda que possamos esbarrar na lanterna traseira de um automóvel da Ford. Dizem os furiosos anônimos do zap zap que a montadora fujona vai lançar na Argentina ou no Uruguai o Ford Bolsonaro: faz muito barulho, esquenta à toa e só anda para trás. É uma brincadeira que não se deve levar em conta. Que 2022 venha sem pandemia, com gente nova, muita vacina, muitos sonhos e mais um vice flamenguista e com vontade de acertar. Fiel ao manto sagrado rubro-negro, Mourão já deve ter recebido camisas do Palmeiras, São Paulo, Internacional, Atlético Mineiro, Vasco. Nunca as vestiu por razões de coerência. Fora demagogia! Volta Jesus!

*Wenceslau Araújo é jornalista

 

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