Há dois meses, nascia Walleria Suri. Ativista sexual, aos 39 anos ela afirma que só nasceu, de verdade, após fazer a cirurgia de readequação sexual. “O maior medo que eu tinha era de morrer antes de fazer a operação. Era como se eu pudesse morrer antes de nascer de verdade”, diz, depois de ter esperado por cinco anos na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para fazer a cirurgia.
A demora para a realização do “nascimento transexual” é uma queixa comum entre os que estão na fila de espera pela cirurgia de redesignação sexual que, segundo relatos, pode levar, em média, de dez a 12 anos.
Bem antes de encarar a fila do SUS, Walleria conta que enfrentou crises de depressão entre a infância e a vida adulta. Foi somente aos 34 anos que conseguiu fazer a transformação: comprou roupas femininas e jogou fora todas as masculinas do armário: “Apesar do medo, da vergonha e da culpa que eu sentia no começo, estar finalmente vivenciando uma existência feminina foi tão libertador, tão compatível com meus desejos, sentimentos e instintos, que não tive mais dúvida sobre minha natureza. Realmente, eu tinha nascido mulher com corpo de homem”.
Os procedimentos para adequação do corpo de quem não se identifica com o sexo biológico passaram a ser oferecidos pelo SUS em 2008, mas até hoje só são feitos em cinco Estados e em uma escala muito menor do que a demanda. No ano passado, foram feitos 3.440 procedimentos de transexualização em todo o país, entre cirurgias de redesignação sexual, retirada das mamas, plástica mamária reconstrutiva (incluindo a colocação de próteses de silicone) e tireoplastia (troca da voz).
Em São Paulo, Estado onde acontece o maior evento do gênero no país, a Parada LGBT, o processo é feito somente no Ambulatório de Transexualismo do Hospital das Clínicas. Segundo a instituição, todo o procedimento dura em média três anos. Números do hospital mostram que há 72 pacientes agendados até 2021 para iniciar a genitoplastia – ou readequação do órgão sexual.
Agonia – Para Walleria, a maior angústia das pessoas que precisam da cirurgia é não saber quantos anos vão esperar, o que pode agravar os conflitos emocionais gerados pela “vida segregada que a sociedade as impõe”. Além de terem de conviver com uma aparência física com a qual não se identificam. “O pênis era a parte do meu corpo que mais me causou repulsa a minha vida toda”, conta.
A cabeleireira Patrycia Nunes, de 35 anos, esperou seis meses para conseguir o atendimento psicológico e um ano para iniciar o tratamento de hormonioterapia pelo SUS. “Comecei a minha transformação aos 14 anos e já passei a tomar hormônios femininos por conta própria. Por ter tomado hormônio por tanto tempo sem orientação, hoje tenho um tumor na hipófise, está controlado, mas ainda é grave”, diz.
Foi também só depois de um ano já fazendo acompanhamento pelo SUS que Patrycia conseguiu incluir seu nome na lista de espera para a cirurgia de redesignação. “Eu preciso dessa cirurgia. É devastador acordar todos os dias e olhar para um órgão que eu não queria ter, que não quero ver nem cuidar. É muito desgastante.” Ela estuda entrar com uma ação judicial para garantir o procedimento antes dos dez anos previstos.
A agente de prevenção Taiane Miyake, de 49 anos, desistiu da espera na fila do SUS em 2000. “Minha cirurgia de readequação estava agendada somente para 2025.” Dezesseis anos depois, ela admite que, embora esteja “bem resolvida”, ainda não se sente completamente satisfeita. “Ainda é um incômodo. Mas não quero mais a cirurgia.”
Segundo Taiane, a demora na fila de espera faz com que muitas transexuais optem por caminhos alternativos e mais rápidos. Algumas viajam à Europa em busca de trabalho para arrecadar dinheiro e bancar cirurgias em clínicas particulares. Outras procuram a Tailândia, país que se tornou referência na readequação sexual. Há ainda casos extremos: mulheres transexuais que, com nojo do próprio órgão sexual biológico, deixam de lavar o pênis para que ele apodreça ou até mesmo recorrem a médicos, clandestinamente, para cortar o órgão.
O Ministério da Saúde informou que, “como o processo é irreversível”, é preciso acompanhamento psicológico por pelo menos dois anos “para que o paciente tenha certeza de suas vontades”. Os procedimentos ambulatoriais incluem acompanhamento multiprofissional, além de hormonioterapia, e a idade mínima para se submeter a eles é de 18 anos – e de 21 anos para a cirurgia.