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Muito além do desgoverno, o Brasil vive um pesadelo familiar

Cresci e amadureci ouvindo dos mais antigos ditados populares absolutamente ilustrativos de falastrões, denominação de pessoas que falam demais e, por conta disso, normalmente cometem indiscrições. Dos mais eloquentes, o peixe morre pela boca e quem fala demais dá bom dia a cavalo são atualíssimos. Eleito com discursos de probidade, honestidade e, sobretudo, de progressividade, o presidente Jair Bolsonaro teve a faca (nenhum alusão ao “incidente” pré-eleitoral), o prato e o queijo nas mãos para se transformar em um estadista. Dispunha, principalmente, do respaldo de uma expressiva parcela do eleitorado reconhecidamente cansado com o noticiário relativo à corrupção, corruptos e corruptores. A maioria teve lampejos de encantamentos e de imaginação e achou que as ratazanas estavam definitivamente com os dias contados.

Infelizmente, não passou de mais uma quimera, sinônimo de sonhos, fantasias, devaneios, ficção. Se buscarmos qualquer análise sensata e desprovida de emoções, perceberemos que, pior do que uma aspiração ilusória, o governo em questão é um dos maiores pesadelos já vividos por pelo menos dois terços dos brasileiros. O outro terço está em mutação. É lamentável concluir que estamos muito além do desgoverno. Só para ilustrar, é algo infinitamente distante da inocência do personagem de Peter Sellers no filme Muito Além do Jardim. Por mais que uma inexpressiva minoria ainda ache, não há candura alguma no governo. Trata-se de uma aventura familiar com algumas similaridades com a história do lendário Eliot Ness, agente do Tesouro Americano, famoso por seus esforços para fazer cumprir a Lei Seca em Chicago. Virou celebridade ao comandar, em 1931, a equipe apelidada de Os Intocáveis, notabilizada pela participação na prisão do gangster Al Capone.

Para capturar Al Capone, Ness se valeu do apoio dos maiores “desajustados” que habitavam Chicago nos anos 30. Tudo a ver com o presidente brasileiro de 2021, que se vale do que há de pior nas redes sociais e nos círculos do mal para se perpetuar no poder. Esqueceu ou nunca soube o que é governar, preferindo intimidar e ameaçar todos os que eventualmente o questionam sobre o desmazelo da nação. A impressão é que, para o bolsonarismo, o mais importante é o que o Brasil pode lhes oferecer. Colocando os pingos nos is, é se servir da pátria e não servir à pátria. Por isso, prefiro sempre me dirigir ao cidadão Jair Messias Bolsonaro, pois, na minha singela opinião, o título de presidente da República é destinado somente àqueles que produzem alguma coisa de útil para o país que dirige.

Sem a necessidade de bajular e longe de qualquer lampejo ideológico, o que ele já fez de bom para o Brasil e para os brasileiros? De ruim, talvez não haja espaço suficiente nesta narrativa para enumerá-los. Como não me permito descortesia com meus semelhantes, faço questão de lembrar apenas um, certamente o principal deles. Com certeza nenhum brazuca com algum sintoma de honestidade pode negar que o negacionismo sobre o coronavírus foi o responsável direto por quase dois anos de paralisação e pela transformação de quase 580 mil brasileiros em números. A maior prova desse negacionismo é que bastou o governo ser obrigado a imunizar em massa contra a Covid 19 para que a economia novamente fluísse, os hospitais fossem paulatinamente esvaziados, as ruas e praças novamente tivessem circulação e, o que é fundamental para a saúde da população, o povo voltasse a sorrir.

Ficou claro para o Brasil e para o mundo que as cloroquinas, ivermectinas e hidroxicoloquinas da vida, todos medicamentos sem eficácia comprovada, só enriqueceram seus produtores. Indicados pelo capitão, que certamente nunca os utilizou, alguns desses remédios são basicamente recomendados para vermes, cuja denominação para os mais antigos como eu era bicha. Não aquela que hoje pode ser sinônimo de homofobia, mas a que, mesmo contra nossa vontade, escorregava do oritimbó, popularmente conhecido por orifício corrugado situado na região inferior lombar. Melhor dizendo, muita coisa ruim poderia ter sido evitada se tivéssemos alguém do bem a nos guiar. Não tivemos, não temos, mas ainda teremos.

Ainda sobre Eliot Ness, a similaridade de sua trajetória com a do atual grupo de comando pode ser coisa de futuro. Notável como agente do governo norte-americano, Ness morreu pobre e em desgraça pública. Sua boa reputação (de homem moralmente íntegro) desmoronou a partir de 1942, quando abandonou o local de um acidente de trânsito aparentemente provocado por ele. Após esse fato, tentou uma frustrada carreira como empresário. Também fracassou como candidato à Prefeitura de Cleveland, cidade do estado de Ohio. Como cristão, não torço para que nada disso ocorra com um semelhante. No entanto, não posso me autocensurar e deixar de lembrar um outro ditado que ouço até hoje: não há mal que dure para sempre. Tudo indica que o mal está próximo do fim. O Brasil não é um país de ficção. Que assim seja.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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